Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, estreou em 2003. Polémico e controverso desde a sua criação, o filme guarda em si um imensurável valor artístico impossível de contestar. A alusão ao cinema, ao amor e à política permitiram a criação deste universo perverso carregado de uma aura boémia e excêntrica.
O clima de instabilidade social e o estado político-social francês e internacional dos anos 1960 são o palco para o desenvolvimento desta obra cinematográfica. O que começou como um protesto contra a expulsão de Henri Langlois, fundador de Cinémathèque Française, e o encerramento do edifício, transformou-se numa revolta popular que ameaçou derrubar o governo. Discutem-se temas desde a guerra do Vietman, as manifestações estudantis, os direitos dos emigrantes e todo um agregado de injustiças sociais que inquietavam a população mais jovem.
Contudo, o foco da narrativa distancia-se deste caos externo. Mathew (Michael Pitt), um estudante americano, mudou-se para Paris durante um ano para estudar a língua nativa. Ainda assim, os seus dias são maioritariamente passados no Cinémathèque, onde consume uma absurda quantidade de produções audiovisuais. É nesse contexto que conhece os gémeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel), filhos de um famoso poeta francês. Tal como o protagonista, também eles dedicam o seu tempo e a sua alma ao cinema e às artes. Assim, os três começam a partilhar um novo refúgio num mundo interno, pretensioso e insaciável.
Com a ausência dos pais, os irmãos convidam o Mathew para passar um mês em sua casa. Desta forma, o refúgio adquire uma nova camada, desta vez física. Sobrevivem à base de cinema, amor lúgubre e incestuoso e opiniões moralmente controversas. Reencenam cenas de filmes clássicos e testam os conhecimentos uns dos outros na área. Os três fundem-se em um, e tornam-se completamente inseparáveis.
Toda a cinematografia de Os Sonhadores guarda em si uma imensa riqueza visual. Raramente saem de casa, mas quando o fazem somos presenteados com a beleza das ruas francesas e dos seus monumentos. As intensas referências ao cinema clássico são não só mencionadas nos diálogos, como também inseridas na imagem. As cenas aparecem sobrepostas às originais do filme e complementam os movimentos das personagens. O espectador submerge num mundo distinto do seu e fica preso no refúgio dos três protagonistas, enlouquecendo com eles.
As personagens extremamente bem construídas têm uma dimensão psicológica que se separa em densas camadas de conteúdo. Inevitavelmente, Mathew nunca se consegue inserir na íntegra no grupo, por mais que seja da vontade de todos. Quando inicialmente acreditava que se tratava de um choque cultural, rapidamente se apercebe que o problema está na perceção e afastamento dos gémeos da realidade em que se inserem. Existe uma eterna glorificação da inocência e da psique perturbada de Isabelle e Theo ao longo de toda a narrativa.
Ademais, a banda sonora confere à obra o cariz revolucionário e jovem que detém. Nomes como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Françoise Hardy, Big Brother & The Holding Company e Édith Piaf, são alguns dos mais marcantes que acompanham a cinematografia e complementam na perfeição as cenas.
Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, é bizarro, excêntrico e incomum. Com referências constantes ao universo de cinéfilos, o refúgio fantasioso das três personagens torna-se o nosso. Por entre diálogos audaciosos e pinturas em movimento, o expectador desenvolve uma sensação insaciável por se integrar naquele meio, que no fim se desmorona, mas se mantem vivo em si eternamente.
Título Original: The Dreamers
Realização: Bernardo Bertolucci
Argumento: Gilbert Adair
Elenco: Michael Pitt, Eva Green e Loius Garrel
França
2003