A efeméride foi criada em 2003 pela Associação Internacional de Prevenção do Suicídio (IASP) e apoiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio assinala-se este sábado, dia 10 de setembro. A data visa difundir esclarecimentos acerca do suicídio, de modo a diminuir a desinformação e combater o estigma.
De acordo com dados da OMS, em Portugal, três pessoas por dia colocam fim à vida. Embora a taxa de suicídio tenha vindo a diminuir ligeiramente nos últimos anos, continua a ser das mais elevadas da União Europeia. A nível mundial, os valores sobem para um milhão de suicídios, anualmente, e entre 10 e 20 milhões de tentativas. Isto equivale ao suicídio de uma pessoa a cada 40 segundos.
Em entrevista ao ComUM, Pedro Brás, psicoterapeuta na Clínica da Mente, desmistifica o estigma social que existe em torno do suicídio e das pessoas que o cometem. Em primeiro lugar, o doutor alerta para a importância de compreender aquilo que leva uma pessoa a recorrer ao suicídio. Caso contrário, cria-se um certo preconceito quando não existam razões aparentes para alguém cometer esse ato, “piorando quando é a própria família a questionar-se sobre isso”.
“Quando falamos em suicídio referimo-nos em atos consumados”, adverte o psicoterapeuta. No entanto, “existe um número muito maior de pessoas com ideação suicida”. Esclarece que se trata de pessoas que “têm pensamentos suicidas, mas não o consomam”. A ideação suicida acontece “sempre que alguém sente uma dor tão grande de angústia que não consegue superar nem gerir”, sendo a angústia “a sensação da emoção de tristeza”.
Pedro Brás explica que a ideação suicida surge em situações de dor extrema. “Algumas situações na vida são muito fortes e sofremos muito com elas, mas enquanto não conseguimos gerir essas emoções estamos constantemente tristes”, elucida. Nesse caso, “a angústia eleva-se a um nível extremo e cíclico em que o sufoco emocional é muito forte”. Em consequência, “nesse momento, há só o pensamento: sai desta dor, sai do corpo. O pensamento de alívio é a morte”. Segundo o profissional, quem está nessa posição sente que a “tristeza lhe suga toda a alma e toda a energia”, daí a única forma que encontram de sair daquela dor ser a morte. “Não porque querem morrer nem desaparecer, mas porque querem retirar de si a dor emocional e angústia forte”. O doutor Pedro Brás conclui que “a ideação suicida acontece quando as pessoas atingem o seu limite de suportar a angústia que sentem”.
A nível nacional, uma em cada seis mortes de jovens acontece por suicídio. Assim, o suicídio torna-se a principal causa de morte de pessoas entre os dez e os 29 anos. Pedro Brás aponta a desesperança como um dos principais fatores que explicam a incidência do suicídio nessa faixa etária. “Jovens que vivem em ambientes de bullying diário, não recebem conforto de ninguém ou quando a vida familiar é muito má, não se conseguem libertar desse mal”, o que os leva a acreditar que “é melhor morrer do que continuar a sofrer”. Quando um jovem chega ao ponto de “não conseguir perceber que o futuro será melhor do que o presente” entra num bloqueio psicológico chamado desesperança.
Muitas vezes, a automutilação surge em sequência desse estado de desesperança. “Quando existe um corte, dói e as pessoas saem daquele estado de angústia durante um tempo”, clarifica o psicoterapeuta. A partir daí, a automutilação passa a ser um “mecanismo que a pessoa usa para sair daquele estado de angústia”. Pedro Brás apela a “oferecer ajuda quando virem amigos com cortes que não conseguem explicar ou que no verão usam manga comprida. Não é normal sofrermos”.
Todavia, segundo o profissional, esta não é a realidade da maioria das pessoas que apresentam ideação suicida. Com base na sua experiência de psicoterapeuta, Pedro Brás conclui que muitas pessoas aparentam ter uma vida estável e, ainda assim, sentem uma angústia extrema que não compreendem de onde vem. A este fenómeno chama-se “distúrbio cíclico da angústia”. Neste caso, “a dor e a angústia nascem do nada”. “É uma espiral: de cada vez que a pessoa sente angústia fica triste, e quanto mais triste fica mais angústia sente”. Mais uma vez, ao passar por esta sensação de dor tão extrema, as pessoas encontram alívio da ideia da morte. Não por, de facto, desejarem falecer, como explica o profissional, mas sim por quererem “deixar de sufocar”.
As estatísticas da OMS mostram que a taxa de suicídio é maior nos homens. Pedro Brás explica: “todos nós sofremos, homens e mulheres”. A diferença está em que “quando as mulheres se sentem mal falam com as amigas ou vão a consultas de psicoterapia”. Por outro lado, “o homem, na nossa cultura, foi treinado pelos pais que o homem não chora e, por isso, cala-se”. Uma vez que não fala com ninguém sobre aquilo que o está a perturbar e, portanto, não recebe a ajuda que precisa, “chega ao seu limite mais facilmente”. Trata-se de uma “cultura errada que todos nós devemos combater”.
Quanto à suposição de que o suicídio é uma chamada de atenção, Pedro Brás considera que “nunca é verdade”. “Eu chamo a atenção falando mais alto ou batendo na mesa”, não com o suicídio. O psicoterapeuta salienta que qualquer pessoa que, a meio de uma discussão, tenha o discurso de ‘qualquer dia mato-me’, está a sofrer. “Se temos um amigo ou familiar com esta narrativa, a nossa reação deve ser: ‘estou a compreender que não estás bem, estás a sofrer da tua mente. Por isso, tens de ser atendido por profissionais que te ajudem a superar essas emoções que não estás a conseguir gerir’”.
Como formas de prevenção, Pedro Brás aponta a comunicação social como um dos mais eficazes meios para disseminar conhecimento e orientar para a ajuda através da psicoterapia. “Alertar quem tem estes problemas de que um psicoterapeuta pode ajudar”, frisa. Também importa que quem está a passar por uma situação destas sinta que é compreendido, que não é a única pessoa a sentir-se daquela forma e que precisa de ser tratado. Ao mesmo tempo, deixar claro para as famílias que “não é uma chamada de atenção”. Se isto fizer parte do conhecimento geral, “as pessoas que sofrem começam a pensar que é possível procurar ajuda”.