Jordan Peele é um dos grandes nomes responsáveis pela reforma do género de terror, que já habituara os espectadores ao seu estilo avant-garde com Foge (2017) e Nós (2019). Daí o vaticínio do sucesso de Nope (2022), a sua mais recente obra a estrelar nos grandes ecrãs mundiais. De como a teia do filme se desenrola sabe-se pouco, até se chegar aos assentos das salas de cinema.
Acabada de sair do forno, a nova obra cinematográfica de Peele é um enigma para todos aqueles que ainda não cruzaram as bilheteiras. Sabe-se da existência de uma pequena localidade no interior da Califórnia que é surpreendida por uma descoberta aterradora e, de resto, confia-se na mente brilhante do realizador e nos dotes de um emblemático elenco: o vencedor de Óscar Daniel Kaluuya, como protagonista, a carismática Keke Palmer e o brilhante Steven Yeun.
Adentrando a sala escura, o expectável confirma-se aos nossos olhos. O terror é refinado: continua a ironizar o cliché, a tecer críticas que se montam em puzzles mentais, a esbater a violência, mas a exasperar a tensão com efervescência. Contudo, desta vez o realizador excede-se, reavive e altera não só o terror, mas também o chamado blockbuster. Que é precisamente o que a longa-metragem é, sendo-o até mesmo antes de estrear: um blockbuster de verão. Peele viaja até aos clássicos hollywoodianos, mais precisamente até Spielberg e o filme O Tubarão (1975), e revitaliza-os, contudo, com uma nova assombração.
A curiosidade vai gerando inquietação e num ápice o espectador já não se acomoda descontraidamente no assento enquanto come pipocas. Todavia, e como é tão usual no estilo do cineasta, a firmeza que tolda o corpo em tensão depressa se rende ao humor e ao sarcasmo que cingem todo o filme. Ecoam as gargalhadas na sala, a postura esmorece. Torna-se um vai e vem entre o terror psicológico, que nos faz querer arrancar cabelos, e a comédia, que esvazia o ar pesado.
A própria expressão que dá nome à obra é motivo de risadas na plateia, de cada vez que é entoada pelo protagonista, OJ (Daniel Kaluuya). A cultura enraizada em todos os espectadores de terror de exclamarem “não!” nos momentos em que alguma personagem pisa (estupidamente) o risco que a separa da morte é ironizada pelo jovem. OJ diz “nope” e, ao contrário do que é comum, não se aventura em nenhuma jogada mortífera. Assim, o título é só mais uma das muitas genialidades que a longa-metragem esconde.
A ele junta-se o som, manuseado por uma equipa que conseguiu criar uma atmosfera de tensão magistral. Os efeitos sonoros condimentam todas as emoções, aceleram o coração, prendem a respiração. A ficção científica é outra das novas cartas de Peele, que torna o baralho muito mais sólido. Por isso, nada atrás ficam os efeitos visuais e especiais, que nos abstraem dos acontecimentos atemorizantes da tela e nos levam a comtemplar a beleza estética e técnica que ali foi criada.
Continua a ser perigoso revelar mais pormenores da história, mas resumidamente pode dizer-se que Nope é um arrojado tributo ao cinema, à sua procedência, e ao mesmo tempo uma condenação à indústria, à sociedade do espetáculo. A imagem deixou de ser inócua. Os seus produtores estão sedentos de capturar cada ínfimo momento, mesmo os que parecem impossíveis. Fala-se na documentação do trauma, na mediatização da tragédia, nos olhos postos em lucro desmedido, na ânsia humana de domar o indomável. Há sátira social, desconstrução do ortodoxo e muitas alegorias. Peele não faz filmes ocos, apesar desta ser a sua obra mais acessível e divertida.
Assistir a Nope é toda uma experiência audiovisual, um autêntico espetáculo estimulante aos sentidos. Sair do cinema é quase um choque com a realidade quotidiana. Uma realidade em que, infelizmente, esta é uma obra rara no cinema americano.
Título Original: Nope
Realização: Jordan Peele
Argumento: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Brandon Perea
Estados Unidos da América
2022