Já dizia John Berger em “Ways of Seeing” – o processo de ver não é algo natural, mas sim formatado através de hábitos e convenções. Todos vivemos em ambientes únicos, construídos pela nossa mente. Tirar uma fotografia, mesmo no seu formato mais autêntico, tem sempre um certo ato performativo.
O BeReal é uma nova plataforma de partilha de imagens. Lançada em 2020, a aplicação já conta com mais de 20 milhões de utilizadores diários, um grande aumento em relação a julho deste ano, em que a média eram 8 milhões.
O ano de 2020, marcado pela pandemia da Covid-19, rompeu uma era de perfeição que marcava a agenda das redes sociais. A obrigatoriedade de ficar em casa trouxe consigo a ascensão das fotografias casuais, instantâneas e “sem esforço”.
Juntamente com esta nova era digital, a mais recente aplicação torna-se apelativa, principalmente aos jovens adultos. O conceito é simples: uma notificação por dia é enviada, a uma hora aleatória. A partir desse momento, são contados dois minutos para tirar uma fotografia, com a câmara frontal e traseira em simultâneo, sem quaisquer filtros ou edições. Os atrasos são permitidos, mas a aplicação revela o tempo passado desde o envio da notificação até à publicação da fotografia.
A possibilidade de tirar a fotografia após os dois minutos propostos pela aplicação retira, parcialmente, a autenticidade da situação. Os utilizadores, por vezes, esperam deliberadamente por um momento mais interessante, “fotografável”, ou esteticamente apelativo. Esta é a mais clara prova que, por mais simplificada que seja, qualquer plataforma social tem um caráter performativo.
Todas as redes sociais são inerentemente falsas, fabricadas pelo utilizador. Na mesma linha, o conceito de “utilizador” está cada vez mais a ser substituído por “criador” – todos somos, de certa forma, criadores de conteúdo.
Apesar da manufaturação da autenticidade, o BeReal também traz consigo reflexões importantes. Enquanto as plataformas antecedentes provocam a sensação que todos (exceto nós próprios) têm uma vida formidável e atraente, o BeReal relembra-nos que qualquer pessoa vive momentos aborrecidos, nos quais acontecem coisas desinteressantes.
Na correria do quotidiano, numa sociedade que vive intrinsecamente sob pressão, é importante perceber que não temos de ser constantemente produtivos. A realidade é esta: não estamos (nem devemos estar) sempre dispostos a agradar um público. É essencial, ou até urgente, entender que mesmo as horas mais entediantes têm o seu encanto.