É através de Uma Abelha na Chuva que Carlos de Oliveira critica e faz uma pintura literatura de um país oprimido, pobre e sem valores que se faz perpetuar no tempo. A obra, lançada pela primeira vez em 1953, mostra que o autor não queria apenas escrever sobre o mundo, mas também a clara urgência e necessidade de o mudar.

O romance narra a história do casamento infeliz e estéril de Álvaro Rodrigues Silvestre e de Maria dos Prazeres, não sendo este um caso isolado e servindo de exemplo para criticar todos os outros que se perpetuavam no Portugal ignóbil de Salazar. Numa época onde se vive de aparências, Carlos de Oliveira faz nascer o amor entre uma criada e um motorista, à margem das regras impostas pela sociedade.

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Repartido por trinta e cinco capítulos, a obra não é extensa, como se espera de um romance. Apesar de bastante descritiva, o que pode acabar por se tornar saturante, a sua leitura torna-se bastante fluída. A escassez de pontos finais e a abundância de ponto e vírgulas tornam o ritmo de leitura, ainda que veloz se toda a sinalização for respeitada, equilibrado. Este compasso agitado faz com que o leitor sinta ânsia crescente do próximo capítulo, que se adensa no desenrolar da narrativa.

Embora não se alongue na descrição psicológica dos seus personagens é, através de intervenções indiretas do narrador, que o tornam quase como uma “voz da razão”, que nos apercebemos de como se encontra o estado de espírito dos personagens. É com tom de gozo, sarcasmo e ironia que o narrador também mostra aos seus leitores a sua insatisfação com o seu país opressivo, sem valores (especialmente, no que toca à Igreja e à justiça, como vulgarmente assistimos ao longo das intemporais obras de escritores portugueses, como Eça de Queirós) e com pouco espaço para evoluir e crescer, em todas as vertentes possíveis.

O título da obra não é, tendo em conta o referido, descabido e infundado. A “abelha” representa as várias classes sociais, existindo contraste entre as “abelhas manchadas” as “abelhas puras”, isto é, as classes mais abastadas e as menos favorecidas, respetivamente. É através desta metáfora que nasce a dicotomia corrupção/pureza, marcante ao longo da narrativa. Por outro lado, a “chuva” diz respeito à agressividade e opressão do tempo presente vivido pelas personagens, que sentem falta do conforto do passado que se contrasta com a sua contemporaneidade frustrada, falhada, corrompida e estéril.

Desta forma, Carlos de Oliveira pinta, num ambiente frio e monocromático, o retrato de um universo marcado por silêncios, desencontros e conflitos entre as personagens que refletem as relações inacessíveis e problemáticas entre as várias classes e as suas diferenças, fazendo os leitores se emergirem numa leitura cuja atmosfera é indefinida, mística e atemporal.

De leitura obrigatória, ainda que não adequada para iniciantes, Uma Abelha na Chuva é um romance clássico que deverá, mais cedo ou mais tarde, estar presente na prateleira – já lido – de todos os amantes deste género literário. «A abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impulsos, fios do aguaceiro a enredá-la, golpes de vento a ferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se ainda, mas a voragem acabou por levá-la com as folhas mortas.»