Estreado em Portugal no dia 13 de outubro, A Mulher Rei foi dirigido por Gina Prince-Bythewood e conta com a presença de grandes nomes do feminino negro, tanto em sua produção quanto em seu elenco. O filme cheio de ação, centrado na narrativa do herói assume as características de um típico blockbuster, mas ao mesmo tempo não desaponta ao integrar importantes reflexões sociais.

Nesse sentido, desde sua campanha de exibição até à primeira cena das guerreiras ferozes emergindo da relva fica evidente a quem se atribui o protagonismo desta narrativa, outrora contada maioritariamente pelo olhar masculino do colonizador. As Agojies formaram, e são no filme, o exército feminino do reino de Daomé, situado na África imperialista ocidental no século XIX.

É com esse plano de fundo que a personagem Nanisca, interpretada pela gigante e premiada Viola Davis, treina um grupo de novas recrutas para lutar contra o comércio escravocrata dos europeus e o império inimigo dos Oyo. Entretanto, é neste ponto que ocorre um distanciamento com realidade histórica, na qual muitos especialistas consideram uma falta de fidelidade da obra. As Agojies não lutavam contra a venda escravista do seu próprio povo como ocorre no filme, contudo não se trata de um documentário, a produção tem total licença artística para discutir e remontar o passado.

Voltando à narrativa, o público conhece inicialmente a nova recruta Nawi (Thuso Mbedu) que, ao descumprir com suas obrigações matrimoniais, é entregue pelo seu pai aos serviços reais. Assim, com os olhos e determinação de Nawi participamos dos intensivos rituais de treinamento (que inclusive exigiram uma preparação física especial do elenco feminino com treinos semanais pesados e alimentação regrada) que fazem dessas mulheres extremamente fortes e temidas por seus inimigos.

Em paralelo, é a partir do desenvolvimento das tramas secundárias que se pode descobrir o aprofundamento das camadas subjetivas de cada uma daquelas guerreiras. Cada uma possui um passado de muita dor e luta que não se limita ao empunhar a espada. É, no entanto, o espírito de liberdade, resistência e irmandade que as fazem prosseguir. Nesse sentido, pode-se lembrar a narrativa do filme francês Soeurs d’armes (2019), também bem avaliado pela crítica, mas que de nada se compara às questões de ancestralidade e negritude que o filme de Prince explora.

De outro modo não seria possível causar o mesmo impacto visual se os atores não fossem escolhidos com tamanha precisão. As cenas emotivas são perfeitamente harmonizadas com a brutalidade das de combate e em ambas a imersão do espectador é de tirar o fôlego.

Mais filmes como Mulher Rei são necessários nas telas de Hollywood, uma vez que promovem não só a pluralização das narrativas, como também permitem que mais meninas, como a própria Viola disse em uma entrevista ao Omelete, possam “encontrar seu espírito de guerreiras, suas vozes, algo dentro delas que as façam lutar, mesmo contra as pessoas que as tentam destruí-las e torná-las invisíveis.”