Uma aprazível longa-metragem sobre um pai e uma filha que viajam juntos? Ou uma reflexão intoxicante sobre tempo e memórias em que observamos uma personagem encontrar-se enquanto a outra se perde? Estreado em maio, Aftersun impressiona com a simplicidade com que transporta o espectador e lhe cativa as emoções.

O filme inicia-se com o seu passo calmo. Somos apresentados à enternecedora, e brilhantemente interpretada pela novata no mundo do cinema Frankie Corio, Sophie. Esta grava um vlog das férias que passa com o pai, Calum, sendo o incrível Paul Mescal o escolhido para lhe dar vida. Todavia, é ainda nos dois primeiros minutos que percebemos que não somos os únicos espectadores dos vídeos caseiros de Sophie. A imagem rebobina, vemos um reflexo e os nossos olhos tentam adaptar-se, com pouco sucesso, às imagens confusas intermitentes com uma luz estroboscópica.

Rapidamente voltamos a uma Sophie de 11 anos com o seu pai que está perto dos 31. Embora a imagem anterior se mantenha como uma questão no fundo da nossa memória, as bonitas interações entre a pequena família depressa nos distraem. Ao longo de toda a obra, porém, esperamos por um grande acontecimento. Uma espécie de clímax no qual a ação culmine. Perguntamo-nos “será que todo o filme se resume a esta viagem?”. No fim, percebemos que sim, mas, na realidade, não.

Um contraste severo entre pai e filha aparece em cena. A menina, que vai interagindo com diversas pessoas que conhece no hotel, possui, como a maioria na sua idade, um amplo fascínio pelo mundo adulto. Tenta mostrar-se destemida e abrir os braços para deixar entrar a intensidade madura pela qual anseia. Já Calum, parece temer a idade. Um pai jovem, vemos que este parece assombrado por arrependimentos, a escassez de dinheiro e, mais do que tudo, um medo incessável de não ser a figura paternal que Sophie merece.

É nos pequenos detalhes que se encontra a magia deste filme. Tanto que a melancolia inevitável que causa no espectador não se resume a uma cena em particular. É sorrateira, infiltrando-se nos momentos mais, aparentemente, inocentes. Quando os créditos rolam, mil perguntas são deixadas nas nossas cabeças, com apenas uma forte certeza de que fomos tocados. Acabamos por ver a história, em grande parte, pelos olhos da pequena Sophie, que parece ainda mais abstraída destes mistérios do que nós.

O filme que marca a estreia de Charlotte Wells, deixa um bom presságio quanto ao futuro da guionista e realizadora. As cenas são de uma naturalidade tamanha que muitas vezes nos imaginamos outra vez com 11 anos, a descobrir tudo pela primeira vez. Todavia, as interrupções da ação corrente, em que vemos uma Sophie adulta, puxam-nos de volta à realidade e fazem-nos prestar atenção nas pequenas pistas que Calum nos vai deixando de que não está tudo bem. É esta oposição entre o embalar da pureza infantil e a sensação crescente de que algo está errado que torna este roteiro tão brilhante.

Aftersun é sobre saúde mental, parentalidade, memória e saudade. É sobre a infantil ânsia de crescer e todas novidades que este processo reserva. É, também, sobre o medo adulto de envelhecer e ainda não se saber quem é e o que se está a fazer e não fazer ideia de como o descobrir. É muito discreto, deixando quem assiste algo desconfortável sem conseguir perceber porquê, mas, sem dificuldade, voltando a entretê-lo com cenas coloridas e risos ecoantes. É real e cru, mas pintado de uma maneira muito bonita. Vale cada minuto, tanto de ecrã, como da introspeção que nos persegue no tempo após o assistirmos.