Em 1947, as palavras de Valentine Davies chegaram novamente aos grandes ecrãs, com De Ilusão Também Se Vive. A produção cinematográfica, que (re)apresentou Kris Kringle à sociedade, rendeu-lhe um Óscar de Melhor História Original. Ao som da época natalícia, aproveitamos para revisitar a comédia dramática, que reflete sobre a comercialização do Natal e que parte em busca do seu verdadeiro significado.

Nas primeiras cenas, os espectadores são convidados a acompanhar o percurso de um idoso de longas barbas brancas, cuja identidade até então desconhecem, pelas ruas de Nova Iorque. Em pleno Dia de Ação de Graças, o idoso pára em frente a uma montra e mostra-se descontente com as decorações de Natal – “Está a cometer um erro com as renas… Tem o Cupido onde o Blitzen deveria estar… E o Dasher deveria estar no meu lado direito… Ah e mais uma coisa, os chifres do Donder deveriam ter quatro pontas ao invés de três”. As críticas são vistas com desconfiança, pedindo-se ao idoso que se identifique, este acaba por se apresentar como Kris Kringle. Poderá este ser o verdadeiro Pai Natal ou tratar-se-á apenas de um homem que se perdeu nas suas próprias ilusões?

Nos momentos seguintes, é dada a conhecer uma das personagens, que, por entre o seu ceticismo, ajudará a responder a tal mistério. Doris Walker é a responsável anual pelo Desfile do Dia de Ação de Graças da rede de lojas Macy ‘s. Por entre a correria do evento, Walker acaba por ser interpelada por Kris Kringle, que a alerta para o estado do figurante de um dos carros alegóricos.

O figurante, vestido à Pai Natal, estava bêbedo e isso não poderia passar em pune – “Deveria ter vergonha! Não se apercebe que estão milhares de crianças na rua à espera para o ver, crianças que sonham com este momento há semanas? Você é uma vergonha para a tradição de Natal e eu não recuso-me a deixá-lo humilhar-me desta maneira. Repugnante!”. Graças ao seu aspecto, Kris Kringle acaba por ser convidado para substituir o figurante.

Enquanto o idoso de longas barbas brancas percorre a 5th Avenue, os espectadores são presenteados com um possível caso amoroso. No entanto, já cansados de narrativas românticas, o foco passa, inteiramente, para Susan, filha de Walker. À semelhança da sua mãe, a criança mostra-se bastante pragmática e descrente em contos de fadas. Na verdade, Doris Walker refere acreditar que “devemos ser completamente realistas e sinceros com as nossas crianças e não deixá-las crescer a acreditar em lendas e mitos, como o Pai Natal”. Uma missão, até então, cumprida. Desse modo, Kris Kringle decidiu torná-las num “caso de teste” – caso as conseguisse vencer, ainda havia esperança.

E o compromisso com o verdadeiro significado do Natal, estava ou não a ser cumprido? Após a sua prestação no desfile no Dia de Ação de Graças, Kris Kringle recebeu uma proposta para prolongar a sua estadia na Macy ‘s. Visto com um “vendedor nato”, ficou responsável por promover uma lista de brinquedos que era preciso despachar.

Apesar de se tratar de uma excelente estratégia de vendas, Kris Kringle não conseguia acreditar no que lhe haviam pedido – “Onde é que se já se imaginou fazer uma criança querer um determinado presente só porque comprou demasiados brinquedos errados…? É isto que tenho vindo a lutar há anos, a maneira como eles comercializam o Natal”. Assim, sem medo de repercussões, foi completamente honesto com as famílias das crianças que foram parar ao seu colo, sugerindo, inclusivamente, que procurassem produtos noutras lojas.

A verdade é que a política de honestidade foi, surpreendentemente, um verdadeiro sucesso junto do público, acabando por ser estendida por todos os trabalhadores – “Seremos conhecidos como a loja prestável, a loja amigável, a loja com coração, a loja que coloca o serviço público à frente dos lucros. E, consequentemente, teremos mais lucros do que nunca”. Algo que poderíamos resumir como fazer a coisa certa pelo motivo errado.

Assim, através da demonstração da perversidade humana, De Ilusão Também Se Vive procurou que os espectadores se questionassem sobre o verdadeiro significado do Natal. Ao mesmo tempo, a produção explorou o poder da Imaginação e da honestidade. No que toca à capacidade de ser honesto, diz-nos para, acima de tudo, sermos leais com os nossos princípios, mesmo que, por vezes, os ponham em causa.

De Ilusão Também Se Vive compõe-se, ainda, por um elenco de excelência, algo que não passou ao lado dos críticos. Assim, Kris Kringle foi trazido à vida por Edmund Gwenn, prestação que lhe rendeu um Globo de Ouro e um Óscar de “Melhor Ator Coadjuvante”. Por sua vez, Maureen O’Hara interpretou o papel de Doris Walker. E, por último, Natalie Wood encarnou Susan Walker.