O sétimo e mais recente álbum de Ana Moura intitula-se “Casa Guilhermina”. A obra surge de uma necessidade de inovar as tradições musicais portuguesas, misturando elementos do fado com o Zouk e com kizomba.

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“Casa Guilhermina” seria o nome com o qual Ana Moura batizou a casa da avó materna. Numa clara homenagem à mãe da sua mãe, a fadista exprimiu que só poderia ser este o nome do seu novo álbum. Num projeto onde diz sentir-se mais “livre” e criativa, a fadista conta com vários parceiros. Juntando-se ao seu marido, Pedro Mafama, Conan Osíris e Pedro da Linha fazem também parte da composição do álbum. É também a estreia da fadista no que toca à composição das letras.

Janela Escancarada” abre as janelas (e portas) à “Casa Guilhermina” de Ana Moura. Em “Mazia” e “Calunga” a fadista mistura o fado com ritmos africanos, chegando mesmo a cantar em crioulo na segunda. “Andorinhas” foi o primeiro single do projeto e terceira música do alinhamento do álbum. A faixa lançada há mais de um ano obteve um sucesso admirável a nível nacional, e não é por acaso que ganhou o prémio de Melhor Música nos Globos de Ouro 2022. Um “hino à liberdade apontado ao futuro” define Ana Moura.

As raízes portuguesas fazem-se sentir fortemente na melodia ao som da guitarra portuguesa, ao passo que se escuta a voz rouca e grave da fadista. Acaba assim por dar uma nova roupagem ao fado e modernizá-lo com ajuda de elementos pop. O videoclipe gravado em Olhão faz representar, tal como a música, um pouco de toda a cultura portuguesa. Ana Moura apresenta-se trajada de preto nos telhados da cidade algarvia, querendo representar uma andorinha que, como diz, “quer tirar os pés do chão” e “voar daqui para fora”.

Com clássicos fados, Ana Moura apresenta-nos “Corridinha” e “Classe”, passando ainda por um interlúdio que não poderia ser mais português: “Fandango (Interlúdio)”. Estas faixas dão entrada ao próximo single Arraial Triste”. O arranjo cruza guitarras portuguesas, numa mistura onde o antigo e o moderno se fazem sentir como um só. A voz única e ímpar de Ana Moura contrasta com o tom melancólico da música. O videoclipe adapta-se à melodia. Uma espécie de festa dos Santos Populares é retratada, porém, de forma desanimada, tal como a música. A fadista aparece vestida de vermelho enquanto canta e, mesmo sozinha, enche por completo a cena.

Uma homenagem ao icónico Prince é feita através de “Jacarandá”. As flores roxas da árvore jacarandá são uma lembrança da mais popular música do seu velho amigo, “Purple Rain”. Ana Moura revelou que Prince estava sempre a dizer-lhe que a música da cantora precisava de um beat: “Decidi seguir o conselho do Prince e colocar um beat nesta melodia, de kizomba, e homenageá-lo desta forma. Onde ele estiver, acho que vai estar a gostar e a “groovar” com esta música”. A mistura entre ritmos de matiz africana (Zouk) com um pouco de rock combinam sublimemente entre si.

A colaboração com o seu marido, Pedro Mafama é a 15ª faixa do álbum e intitula-se “Agarra em Mim”. Novamente temos uma mistura de fado com kizomba. A fórmula da fadista parece funcionar e ser claramente aditiva. Parece impossível não gostar de uma das melhores faixas do álbum. Afinal não é por acaso que a música já conta com mais de um milhão de visualizações no Youtube. Um desgosto amoroso é o tema principal da faixa.

Trata-se de um amor que é impossível. O videoclipe completa a obra e torna-a num verdadeiro espetáculo audiovisual que conta com Ana Moura, que surge grávida, e Pedro Mafama como protagonistas. Também ouvir “Antes Que Eu Morra (Interlúdio)”, que se segue a “Agarra em Mim”, é uma experiência inigualável que inclui a guitarra portuguesa e umas vozes abafadas da música anterior. É, sem dúvida, o melhor interlúdio do álbum.

Este é um dos projetos mais singulares e ímpares da música portuguesa. Seguindo um pouco os passos da cantora espanhola Rosalía, que deu uma nova roupagem ao flamenco e o tornou mais contemporâneo, Ana Moura faz o mesmo, mas agora com o fado. Uma artista que se reinventa a cada passo que dá, e isso é notável nas obras que produz. É um projeto bastante diferente do que está acostumada a fazer, contudo, as suas raízes portuguesas e de fadista permanecem com ela. Atreve-se agora a misturar diversos ritmos, passando pelo kizomba, Zouk e até elementos do soul, mas nunca perdendo a sua essência. Afinal de contas o fado está lá como sempre: genuíno, único e autêntico.