Num mundo em que a imagem assume um papel poderosíssimo no nosso quotidiano, somos estrategicamente coagidos a fazer compras irracionais, impulsivas e, muitas vezes, desnecessárias. A época natalícia denuncia da forma mais evidente o consumismo de uma sociedade que procura a felicidade instantânea em bens materiais supérfluos.

O consumismo está associado ao consumo excessivo de bens e serviços, na sua generalidade, supérfluos. Por vezes, é o resultado de uma patologia comportamental, onde o vício e o desejo de compra tomam conta do indivíduo. Vontade essa que não é motivada por uma necessidade objetiva, sendo o significado essencialmente simbólico. Pode também tratar-se de uma marca da sociedade capitalista atual, vincada pelo ciclo vicioso entre o consumo e a produção industrializada, ou, em alguns casos, pelo alcance de um determinado status.

O poder do marketing contribui exatamente para isso, uma vez que desperta em nós necessidades que desconhecíamos através dos estímulos constantes que nos rodeiam. Além disso, somos bombardeados diariamente com informação sobre as últimas tendências, os gadgets topo de gama ou a moda mais recente.

De acordo com um estudo da Escolha do Consumidor, 40% dos inquiridos pretendem gastar entre 100 e 250 euros em presentes de Natal, este ano, enquanto 9% planeia ultrapassar os 500 euros. O estudo revela que mais de metade dos portugueses questionados tenciona comprar presentes mais baratos e úteis. Pensam, portanto, comprar menos, relativamente ao ano anterior. Esta diminuição deve-se, no entanto, ao contexto económico do país, marcado pela instabilidade e incerteza, e não tanto por uma preocupação ambiental.

Fenómenos como a Black Friday (sexta-feira negra, em português), que marca o início da corrida às compras de Natal, vêm acentuar o problema e consistem no expoente máximo do consumismo. Na última sexta-feira de novembro, vemos as filas formarem-se à porta das lojas na ânsia de não perder nenhum desconto. Dados do SIBS Analytics revelam que o consumo dos portugueses na Black Friday cresceu 7% face a 2021, com o online a ganhar peso. No entanto, o valor médio das compras desceu 5,4% em comparação com o mesmo período no ano passado, de 42,7 para 40,4 euros.

Em contrapartida, vão surgindo movimentos que contrariam o efeito da Black Friday. É o caso da Blue Friday (sexta-feira azul), evento inaugurado este ano em Veneza, que visa proteger os oceanos e refletir sobre o impacto das escolhas dos consumidores no ambiente. Através de mesas redondas sobre economia verde e azul, é discutido o conceito de design e moda sustentáveis.

O Giving Tuesday (terça-feira para dar) é outra iniciativa com o objetivo de contrapor os dias de consumo que marcam a época natalícia. Consiste na doação de bens, apoio monetário, voluntariado, entre outras ações, em prol da solidariedade para com várias organizações sociais.

A moda é uma das indústrias mais problemáticas ao nível da sustentabilidade. As tendências são fabricadas, consumidas e descartadas a uma velocidade desconcertante e é comum o consumidor sentir a necessidade de estar a par da moda vigente. Ora são as calças à boca de sino, ora são os padrões animal, as calças rasgadas ou cores vibrantes. As microtendências provocam na população a necessidade de se integrar nos padrões e estilos mais recentes.

Apesar dos benefícios ao nível de criação de emprego, é necessário olhar para a fast fashion (moda rápida) com a consciência dos problemas social e ambiental que constitui. A expansão deste modelo tornou a indústria da moda na segunda mais poluente do mundo. Em causa está a utilização de tintas de baixa qualidade, insolúveis ou produtos à base de metais pesados; a confeção de tecidos sintéticos derivados de combustíveis fósseis e consequente emissão de carbono e gases tóxicos na atmosfera, o que aumenta a quantidade de plástico nos oceanos.

Por outro lado, é a mão de obra que sustenta a rapidez que as marcas prometem, além de lhes poupar o investimento.  Muitas vezes, os trabalhadores são explorados com contratos ilegais, cargas horárias excessivas, condições degradantes e pagamentos miseráveis.

Posto isto, torna-se evidente a urgência de uma renovação comportamental. Acredito que a mudança pode partir de cada um de nós, nos mais pequenos gestos. A slow fashion (moda lenta) vem contrariar a tendência das grandes cadeias de moda, apostando na utilização de materiais recicláveis e tecidos orgânicos. Dessa forma, a moda torna-se num processo cíclico e não finito.

Um Natal mais sustentável pode começar pela preferência de compras em segunda mão, seja através de mercados regionais ou pelas plataformas online que têm surgido para o efeito. Desta forma, não só damos uma nova vida a um produto como contribuímos para o crescimento da slow fashion, um regime mais amigo do ambiente. Um estudo desenvolvido pela empresa Koos Service Design para a Wallapop, revela que 57% dos jovens portugueses (entre os 18 e os 34 anos) procuram a compra em segunda mão.

Outra opção passa pelas compras solidárias, nas quais apoiamos causas sociais relevantes para a sociedade. A época natalícia é também uma altura pertinente para recorrer ao comércio local. Sobretudo visto que a preferência por este tipo de lojas pode assegurar aos pequenos e médios comerciantes a estabilidade que não conseguem ter no resto do ano.

Optar por uma quantidade sensata de presentes e procurar comprá-los de modo sustentável neste Natal pode ser um ponto de partida para uma diferença ambiental significativa. Ou então, preferir prendas como tempo de qualidade e convívio em detrimento de bens materiais. Ver o Natal com outros olhos e apelar à aplicação dos recursos de forma mais consciente são algumas das responsabilidades que cabem a todos.

Em especial, vejo os jovens como o principal grupo capaz de despoletar a mudança. Com esta e outras reflexões podemos concluir que teremos outras finalidades mais convenientes para o dinheiro. Repensar os donativos à caridade, ação que pode e vai certamente fazer a diferença. Além disso, ter em mente que apostar na sustentabilidade é um investimento a longo prazo.