O músico minhoto expôs a sua Alma de Artista, numa introspeção sobre o trabalho criativo.
Miguel Santos é um artista plural. Vocalista na banda bracarense Omie Wise, criador do projeto Coletivo MAYU e DJ sob o nome de Miguel do Mundo, o músico trabalha sob a fusão do folk com o jazz, o rock progressivo, o psicadelismo “e outras coisas”. Em conversa com o ComUM, refletiu sobre como é fazer música em Portugal.
Apesar do gosto pela música, o músico descarta a hipótese de essa ser a sua única ocupação. “Para viver da música em Portugal é preciso estar em vários ramos do setor”, lamenta. Para isso, surgiria a necessidade de “optar por zonas populares da roda cíclica do trend”, o que se tornaria “um bocado paradoxal”. Supondo que uma banda percorre todos os sítios possíveis de tocar, de norte a sul do país, o público acaba por perder o interesse porque já ouviu o mesmo centenas de vezes, exemplifica. Conclui, portanto, que se “consegue viver da música, mas não sendo só artista”.
“Em Portugal consome-se muito do mesmo”, afirma. O criador confessa que o “aborrece” ver que, para muitos músicos, a arte se resume “a copiar fórmulas que sabem que resulta” e, por isso, “não há nada de novo artisticamente”. Em consequência, Miguel Santos acredita que as tendências do mainstream não dão abertura a outros géneros musicais mais alternativos. Géneros esses que, na sua perspetiva, não são de nichos, “talvez o sejam apenas em Portugal”. “Estão um bocado para trás na roda cíclica do que é ou não moda”, completa. Por outro lado, ter um público mais afunilado pode ser vantajoso para a audiência, no sentido em que “consegue ter uma maior sincronia”.
“Tudo o que produzimos são metáforas”, reflete. Para o artista, o processo criativo passa pelas “experiências de vida” de cada elemento que depois tentam “relatar na forma de histórias fictícias”, independentemente de uma intenção mais ou menos concetual. “Penso que todos os artistas fazem isso de certa forma, até para esconder um bocado aquilo por que passam”, partilha.
Naturais do norte de Portugal, os Omie Wise inspiraram-se no “misticismo do folclore americano” para servir de raiz para o projeto. O grupo foi buscar o nome a uma personagem desse mesmo estilo, Naomi Wise, que veio mais tarde a ser o ponto de partida para a capa do EP 1908.
No seio da banda, a criação do “concept” fica normalmente a cargo de Fábio, o guitarrista, conta Miguel Santos. Embora “o core parta sempre dele”, explica que no último álbum “houve mais input de toda a gente”, visto que a banda acaba por se conhecer melhor e haver mais maturação”.
Em sequência do primeiro álbum, To Know Thyself (2019), o vocalista adotou o uso de uma máscara com o propósito representativo da personagem Watcher. O objetivo passava por retratar a dualidade entre a figura fictícia e uma sombra que se apoderava dela.
Já a passagem para o segundo álbum marcou a distinção de um novo género com “mais sensibilidade, elementos mais orgânicos e um quarteto de sopros”. Além disso, a entrada de um novo baterista influenciou essa perspetiva mais delicada: “o Vagaroso (baterista) é completamente diferente porque explora mais a organicidade da bateria, é uma pessoa extremamente única”.
O artista relata que esse lançamento trouxe “um conceito super diferente” que contava a história fictícia “de um menino que estava numa casa sozinho num mundo completamente destruído, em cinzas e só tinha o avô”. Em seguimento, “ele quer sair de casa, mas o avô não o deixa porque diz que o mundo é perigoso”. O nome do álbum, The Boy in the Wind, remete para uma terceira personagem, o vento, que entra na narrativa para “comunicar através de mensagens subliminares”.
Sobre o projeto do terceiro álbum, Miguel Santos adianta que a banda pretende explorar uma vertente mais folk. A aposta em escrever em português, uma estreia para o grupo, visa “impulsionar a banda e fazer com que os seus projetos cheguem mais facilmente ao grande público”.
A atuação no festival Vodafone Paredes de Coura em 2022 representou um marco importante para os Omie Wise. Sobretudo porque a subida ao palco pelo qual o grupo tem “bastante carinho” acolhe “registos mais virados para o experimentalismo, para o folk e para o jazz”. Constituiu uma oportunidade para explorar mais “a componente folk, o que foi ideal para o espaço”.
Para além dos Omie Wise, Miguel Santos está envolvido em vários outros projetos. Criou um coletivo artístico que, nas suas palavras, “não faz apenas música, faz também instalações artística”. O projeto Mayu, com o álbum Circum Mundum a caminho, caracteriza-se numa série de eventos que seguem a ideologia de dar palco a todos os tipos de arte: “não quero que seja só um espetáculo de música, quero que seja um evento de multimédia”. A título pessoal, faz trabalho de DJ sob o nome “Miguel do Mundo”, onde passa músicas de todo o mundo e adiciona o seu twist com sintetizadores.
Artigo por: Beatriz Teixeira Leite e Marta Rodrigues