Apesar de não ter passado pelos cinemas de Portugal, a emocionante longa-metragem de Michael Grandage não passou despercebida com a sua estreia, a 4 de novembro, na Amazon Prime. A presença do cantor Harry Styles foi motivo para o grande alarido, mas My Policeman não deixou de se revelar uma narrativa merecedora de tal.

O filme retrata a relação entre três personagens, Marion, Tom e Patrick, num tempo intolerante e opressor. É-nos então apresentada uma narrativa através de duas linhas temporais – a atual e a passada nos anos 50 – pelos mesmos personagens. Tom será o centro da relação, onde esconde a sua paixão por Patrick e engana Marion por uma questão segurança devido à sociedade em que está inserido.

Mais do que enganar quem o rodeia, Tom decide viver ele próprio a sua mentira ao tomar a decisão errada de negar essa parte de si mesmo. Já Patrick trata-se de um personagem extremamente orgulhoso daquilo que é, demonstrando uma coragem imensa e provando a sua grande densidade emocional. Marion é precisamente o resultado da sociedade homofóbica em que se encontra, tomando más decisões numa constante luta entre aquilo em que acredita e aquilo que a afeta.

Existe, principalmente, um grande conflito interior nas duas personagens que casam. Este conflito, causa consequências irreversíveis em Tom, como a perda de tempo. Apesar deste lado avassalador, o amor de Tom e Patrick chega ao espectador de forma apaixonante, dando tanto vida ao filme como reforçando o seu carater arrasador.

Harry Styles, Emma Corrin e David Dawson representam um elenco recheado de talento e paixão pela interpretação de personagens tão complexos, mas tão reais. O restante elenco brinda o telespectador com performances de excelência. O facto de serem seis atores para três papéis foi, segundo o diretor, importante para que se reforçasse a ideia de mudança. Apesar de serem a mesma personagem o tempo mudou-as tanto que se tornam pessoas diferentes, algo que qualquer espectador se pode identificar.

Em entrevistas, Harry Styles refere muito a perda de tempo e afirma ser a principal razão para a história ser tão devastadora, uma vez que o tempo é a única coisa que não podemos recuperar. Emma Corrin também numa entrevista mais recente para a promoção do filme, diz considerar My Policeman um retrato de como, por vezes, somos capazes de tratar mal o outro e de que no fundo se trata de personagens com defeitos perante uma luta que não é fácil.

O filme é bastante fiel ao livro que adaptou, escrito por Bethan Roberts. Principalmente, na sua ordem de acontecimentos e alternância entre o presente e o passado consoante as suas perspetivas, a de Marion e a de Patrick. No entanto, apresenta naturalmente algumas diferenças, sobretudo a eliminação de certas situações ou alteração da contextualização das mesmas. O argumento, escrito por Ron Nyswaner, reflete de forma exímia aquilo que a narrativa pretende e, mais importante, reflete tanto a intenção dos personagens como o conflito interno dos mesmos.

Cinematograficamente, é possível observar um especial destaque para a diferença da fotografia entre o presente e o passado. Enquanto o passado apresenta cores mais vivas, podendo transmitir uma ideia de esperança e possibilidade, o presente contém um ambiente mais escuro e acinzentado com pouca saturação, que poderá refletir o resultado e as consequências de decisões feitas no passado em questão. Isto dá ao próprio espectador uma pista de como acabará a linha de tempo do passado. Esta diferença temporal também está presente na produção sonora, que acompanha de forma harmoniosa toda a longa-metragem.

É de realçar o excelente trabalho do diretor Michael Grandage, que trouxe ao cinema uma história com uma importância tamanha, até mesmo para o próprio, e ainda o fez magnificamente. É clara uma grande qualidade de produção associada a uma notória paixão em produzir o filme por toda a equipa de produção mais elenco. Tal deve-se ao cuidado do produtor na sua seleção de pessoas para trabalharem no projeto.

My Policeman representa um filme devastador com a sua beleza apaixonante. No entanto, real e essencial perante uma luta pela liberdade e aceitação individual. Apesar da evolução enquanto sociedade, ainda existe um longo caminho a percorrer no que toca à comunidade LGBT e são longas-metragens como esta ajudam tanto o coletivo como uma simples pessoa na sua aceitação.