As opiniões dividem-se, mas as estatísticas comprovam um maior fosso entre a camada jovem e a igreja.
Os dados dos Censos 2021 revelam que, na última década, o número de crentes na religião católica em Portugal diminuiu, passando de 88,3%, em 2011, para 80,2%. A tendência de distanciamento evidencia-se particularmente na Geração Z, conclui-se no estudo sociológico Valores e Religiosidade em Portugal – Comportamentos e Atitudes Geracionais.
Nesse sentido, o ComUM conversou com dois jovens, de modo a compreender o que leva uns a afastarem-se e outros a manterem vivos os hábitos religiosos. Miguel Silva, aluno do terceiro ano de Direito na Universidade do Minho (UMinho), é praticante da religião católica. Afirma que “apesar de não ter tido escolha”, visto que foi batizado “muito cedo”, acabou por crescer no seio da mesma.
“Ao longo do meu crescimento e desde que tomei conhecimento e autodeterminação intelectual, nunca senti vontade de trocar, então mantive-me sempre na religião cristã”, explica. Conta que a sua crença pessoal se deve ao facto de acreditar que, a par da existência humana, “tem que haver algo transcendente”. Crê na “existência de algo para além da morte e que a nossa vida está sob o controlo de algo sobrenatural”.
Já Cristiana Barbosa, aluna do primeiro ano de Ciências da Comunicação, representa o outro lado da moeda. “Nunca fui crente em qualquer tipo de religião”, afirma, apesar de ter sido batizada e de ter concluído a catequese até ao crisma. Lembra-se de discutir com o avô, “um homem assíduo na eucaristia”, as leituras da Bíblia. “Ele acreditava firmemente e deliciava-se a recontar em casa, sem questionar nenhuma palavra”, partilha Cristiana. Contudo, para a estudante, não passavam de “histórias fictícias que, quanto muito, seriam metáforas da vida real, de forma a passar alguma lição de moral”.
Apesar de terem perspetivas diferentes, ambos concordam que há uma grande franja da juventude que está afastada da religião, ainda que alguns vivam a fé através de grupos escutistas ou grupos de jovens. Os dois estudantes apontam a Igreja Católica enquanto motivo principal desse distanciamento. Em causa, referem os escândalos relacionados com a pedofilia: “crimes ocorridos dentro da instituição, cometidos por padres, que, obviamente, acabam por descredibilizar os bons costumes que a mesma defende”, frisa Cristiana.
Miguel constata que repudia estes crimes, mas a sua fé é em Jesus e, por isso, não se revê neles. “Não são esses os valores que a religião cristã partilha, por isso já não faz sentido fazer parte de uma organização que tem estes escândalos no seu seio”. Acrescenta que “o mais importante não são os valores que se partilha na igreja como instituição, mas sim os valores que cada um partilha dentro dela”. Assim, “é importante reabilitá-los, corrigindo estes problemas para que os jovens sintam novamente confiança na instituição”. Realça também a vontade de “cultivar dentro das pessoas a necessidade do afeto, da fraternidade, da solidariedade de modo a construir uma sociedade melhor”.
A aluna de Ciências da Comunicação acredita que, tal como ela, “as pessoas têm evoluído num sentido contrário à igreja”. “Têm vindo a defender ideias que não vão ao encontro do que a igreja dita, como por exemplo, temas relacionados com a sexualidade”.
Cerca de 90% das instituições de solidariedade social são detidas pela igreja, como é o caso dos lares de idosos, creches e hospitais da Santa Casa da Misericórdia. Apesar do caráter social que detém, ambos os entrevistados consideram que a religião tem perdido crentes, para além dos jovens. Cristiana Barbosa refere que se deve ao facto de “as pessoas terem evoluído e, sobretudo, dado ouvidos à ciência”. Por sua vez, Miguel realça a circunstância de que “vivemos sob estado laico desde 1911, com exceção do período do Estado Novo, o que fez a igreja perder a grande importância que tinha”.
Relativamente a uma eventual mudança de perceção sobre a religião, Cristiana duvida da possibilidade. Esclarece que nunca se impediu de “acreditar e/ou seguir qualquer tipo de religião. No entanto, como nunca fui crente, penso que seja mais complicado algum dia o ser”.
O aluno de Direito apela à prática de valores como o amor, a paz e a fraternidade. Refere ainda que a religião e a igreja têm ao seu dispor todas as ferramentas para combater a discriminação, como a desigualdade de género, e propõe que os sacerdotes deixem de ser apenas homens.