A verdade é que, tratando-se de cinema, o famoso ditado popular é facilmente contrariado. Julgar um livro pela capa ocorre como uma ação instintiva, um simples filtro para prevenir futuras frustrações. Portanto é compreensível que, à primeira vista, a capa mística e sombria de O Labirinto do Fauno talvez não revele que, aqui, se encontra um filme com um roteiro simbólico, bem estruturado, cheio de história e cultura.

Esta fabulosa obra do diretor mexicano Guilhermo del Toro, contou com um orçamento baixo para os parâmetros de Hollywood, mas não deixou nada a desejar. Nela, conhece-se a história de Ofélia, uma menina cuja mãe está grávida do seu padrasto, o Capitão Vidal, líder do acampamento fascista que objetiva reprimir uma guerrilha de republicanos. Ou seja, a narrativa desenvolve-se no fervor da Guerra Civil espanhola e Ofélia, uma criança inteligente e sonhadora, cerca-se por seus livros e contos de fada como uma forma de escapar e sobreviver a esse campo de batalha a qual foi submetida.

Assim, ao explorar um labirinto no fundo do terreno, a jovem curiosa encontra um Fauno que lhe apresenta a existência de um reino mágico e seu grande mito. Segundo a criatura mística, este reino perdera sua princesa, Moanna, que regressará noutro corpo. Naturalmente, esta princesa está bem distante da dos paraísos tropicais da Disney e como meio de conquistar sua herança real, Ofélia precisa encarar as repugnantes criações de Guillermo del Toro.

Logo, estas criações representam um Mundo simbólico, paralelo e interligado aos terrores da realidade. As figuras parecem assemelhar-se ao estilo surrealista pois, no fundo, são construções oníricas do inconsciente de Ofélia. Uma interpretação possível é que a inocência infantil enxerga o mundo de uma forma única, sem preconceitos e sem limitações, sendo este, muito singelamente, o maior inimigo do facismo, uma mente livre e pensante. Ou melhor, o Capitão como a personificação do regime autoritário vê na Princesa como uma grande ameaça.

Portanto, é a partir dessa mistura improvável de contextos que Del Toro constrói uma narrativa única e uniforme na qual a premissa de um mundo fantástico não limita a crueldade e brutalidade existente no filme. Logo nos primeiros minutos ocorre uma cena de violência explícita entre o Capitão Vidal e possíveis aliados da oposição. Deixa-se bem claro que a hostilidade humana, intrínseca aos tempos de guerra, constitui-se como estruturante no enredo e que portanto, foge de ser uma história para crianças, sua linguagem está totalmente voltada para um público adulto.

Contudo, o grande triunfo do longa está nas passagens finais. É a partir do contraste entre os tons de azul subexpostos com os amarelados saturados que a tragédia ganha cor e beleza. A fronteira tenue entre o real e o imaginario é rompida e tanto a emoção de uma vitória quanto a dor de uma perda ganham espaço em cena.

A longa-metragem foi reconhecida internacionalmente com diversas indicações (Globo de ouro, Cannes) prêmios (Oscars, Goya, BAFTA) em distintas categorias. O seu sucesso vinculado ao seu caráter crítico, atemporal, comovente e poético fascina espectadores por mais de uma década e não se esgota nas suas várias simbologias e interpretações. Infelizmente só há uma única plataforma de streaming que o exibe em Portugal, mas isso não é desculpa para deixar de conferir esse espetáculo visual.