Lançado pela Netflix, As Linhas Tortas de Deus é um filme espanhol de suspense que teve a sua estreia em 2022. Baseia-se num livro do mesmo nome ‘Los renglones torcidos de Dios’, escrito por Torcuato Luca de Tena. A obra conta a história fictícia de Alice Gould, uma detetive que se infiltra num manicómio para investigar e resolver o mistério de um assassinato.

Alice Gould é uma investigadora privada que aceita um caso proposto por Sr. García Del Olmo, pai de um ex-paciente internado numa clínica psiquiátrica. O seu filho morreu enquanto hospitalizado na mesma, tendo sido o motivo dado como suicídio. Porém, ele não acredita nessa narrativa, crendo que o mesmo foi morto intencionalmente.

Com o objetivo de entrar no instituto para realizar o seu trabalho, Alice finge ter paranoia. Em colaboração com o seu médico, Donadío, declarou-a como uma mentirosa habilidosa com grande capacidade de resposta e mudança de discurso.

Para isso funcionar, criou-se uma história de que a mesma tentou envenenar o seu marido, Heliodoro. Contudo, como planeado, ela desmente isso perante os psiquiatras, alegando ter sido legalmente raptada por esse para dominar a sua fortuna, no intuito de demonstrar a sua instabilidade mental falsa. Ou será que é verdadeira e tudo isto já faz parte dela?

Ao longo do filme, há várias voltas e reviravoltas que nos fazem questionar tudo, tornando-se difícil de decifrar onde está realmente a autenticidade. Também o seu fim é ambíguo, o que pode tanto responder essas questões como aumentá-las. No livro pelo qual foi inspirado, a história conclui de forma muito mais completa, interessante e esclarecedora. Infelizmente, essa foi mudada e resumida, retirando parte da sua essência.

Ainda assim, a indústria cinematográfica espanhola tem vindo a aumentar notoriamente a sua qualidade. Este filme é só mais um dos vários exemplos comprovadores de que obras feitas fora dos Estados Unidos devem ser igualmente apreciadas.

As Linhas Tortas de Deus concede-nos representações fabulosas, especialmente de Bárbara Lennie, a protagonista da trama, que nos conquista e domina pela sua beleza, independência, firmeza e inteligência. Cativa-nos pela forma que apresenta o seu enigma cada vez mais complexo à medida que cria mais opções da verdade.

Ademais, seduz-nos com os seus cenários, umas vezes apavorantes e outras extremamente elegantes, combinados com musicalidade, excecionalmente acertada, tornando todas as cenas envolventes. E, acima de tudo, desafia-nos a pensar, examinar e cogitar cada momento, todos os minutos são usufruídos ao máximo.

Durante o visionamento deste filme, repara-se em algumas semelhanças com um clássico impecável de Martin Scorsese, Shutter Island (2010). Comparando os dois, o mais recente fica um pouco aquém devido à sua história com informação em excesso, criando vários paralelos ao real, o que pode tornar o interessante em massudo.

Além disso, nem o final dá o descanso à mente que tanto ansiámos, embora, pessoalmente, o tenha interpretado de uma forma, este não dá uma real solução ao mistério. Ainda que o relato do filme não seja suficientemente convincente para garantir respostas às perguntas vitais, tem a capacidade de manter o espetador na ponta do seu assento, remoendo no fluxo e refluxo de suas complexidades e nuances.