Vejo o feminismo ser posto em causa demasiadas vezes para aquilo que ele representa. Apesar de muito se falar sobre o tema, continuo a assistir a interpretações erradas daquilo que defende e, pior, interrogações sobre a necessidade da sua existência. Sendo este um tema com pano para mangas, procurei abordar os motivos que tornam este movimento absolutamente necessário à evolução humana e quanta falta faz à sociedade portuguesa.
Em primeiro lugar, clarificar o que o feminismo não é: a procura de uma superioridade das mulheres sob os homens, o completo oposto do machismo. A verdade é que o movimento feminista luta pela igualdade entre géneros, interligando-se com as diferentes dimensões humanas e sociais, como a cor de pele, orientação sexual, religião, entre outras.
As marcas do machismo em Portugal evidenciam-se através de diferentes indicadores. O flagelo da violência doméstica é um dos mais berrantes. 24 mulheres mortas por homens durante o ano de 2022 – dados da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género –, são estatísticas que mostram como a violência contra as mulheres é estrutural e fruto do patriarcado, que carrega consigo uma série de ideologias machistas.
A propósito do Dia dos Namorados, a PSP divulgou dados relativos à violência no namoro, onde se revela um aumento de 10% nos últimos cinco anos e mais de 10.400 denúncias, em que a maioria das vítimas corresponde a mulheres. O feminismo entra aqui com a função de, em primeiro lugar, alertar para os comportamentos que podem anteceder a agressão. Uma mulher informada torna-se menos provavelmente numa vítima, sendo esta troca de informação absolutamente fundamental quando vivemos numa sociedade que ensina as raparigas desde cedo a viverem para e em função de um homem.
A nível profissional, o sexo feminino continua desfavorecidas. O relatório “Women Matter Iberia”, realizado pela consultora McKinsey e divulgado a 7 de fevereiro, veio mostrar como a ideia de que o feminismo não faz falta em Portugal está errada. O documento revela que, embora as mulheres representem metade da força de trabalho, ocupam apenas 31% dos lugares nos conselhos de administração e 6% dos CEO.
Se, por um lado, vemos uma maior representatividade das mulheres dentro das empresas, por outro, estas continuam aquém dos cargos de liderança. Medidas como a criação de quotas que promovam a igualdade de género são importantes e os seus efeitos são já visíveis. Contudo, vemos outro problema a surgir quando a progressão na carreira constitui um objetivo muitas vezes impossível. Além disso, o Ministério do Trabalho aponta para uma disparidade salarial de 13,3% entre homens e mulheres, o que equivale a 48 dias sem remuneração para elas, durante um ano, em comparação com os homens.
A juntar a isso, a nível familiar elas são também as mais afetadas, com 49% das inquiridas a tomar a totalidade das tarefas domésticas, ao passo que apenas 15% dos homens dizem fazer o mesmo. Em consequência, o sexo feminino revela maiores níveis de burnout – 45% sentem-se regularmente em esgotamento, enquanto os homens representam 33%.
Importante referir que, de acordo com o mesmo estudo, embora as mulheres representem uma fatia mais pequena nos cargos de topo, desempenham-nos melhor. A quota de satisfação dos funcionários com liderança feminina ronda os 79%, e uma menor representatividade de mulheres faz o valor descer para 65%.
Embora as mulheres sejam indiscutivelmente as mais afetadas pelos problemas que vim a apontar, acontece que também os homens acabam por ser vítimas. O estereótipo machista e a ideia de masculinidade que se espera dos homens – que têm de ser fortes, não podem chorar nem mostrar vulnerabilidade – traz consequências ao nível da saúde mental também para eles. Prova disso é que sete em cada dez suicídios em Portugal são feitos por homens. Este valor revela uma maior dificuldade em partilhar emoções e procurar ajuda.
É nesse sentido que acredito que o feminismo não é, nem pode ser, só para mulheres. Não temos culpa que este tipo de estereótipos exista, pois não partiram de nós, mas é da nossa responsabilidade livrarmo-nos deles. E da mesma forma que foram criados por pessoas, podem e devem ser desconstruídos por pessoas. Não vejamos cada artigo sobre feminismo como “só mais uma mulher qualquer a falar de feminismo”. Tudo pode ser um ponto de partida para uma conversa, uma reflexão, uma mudança.
Considero preocupante que Portugal ocupe a 29ª posição no Índice Global de Desigualdade de Género à escala mundial. Sem querer negar e menos ainda desvalorizar todo o caminho e as conquistas alcançadas até ao momento, é inegável que há muito por fazer ainda. Falar de um país que não precisa do feminismo para nada é falar de uma realidade ainda longínqua e para a qual só caminharemos se reunirmos o esforço de todos. Lutar por uma sociedade sem “-ismos” cabe a homens e mulheres, num esforço conjunto por aquela que pode ser uma sociedade mais justa, livre e igualitária.