O atelier, numa das ruas ramificadas à Sé, tem três andares repletos de fantasias.

No nº 16 da Rua Gualdim Pais, a poucos passos da Sé, esconde-se uma das últimas costureiras de Braga. Fantasias Lurdes Vieira é o nome do atelier com três décadas contadas, que dispõe de mais de dois mil fatos de vários feitios e tamanhos para aluguer.

Lurdes Vieira sobe, a custo, as escadas do primeiro de três andares do atelier. “Tenho os joelhos gastos”, suspira. Esta “altura do campeonato”, como afirma, não dá cartão verde ao ânimo. A dor e as lamúrias não são, no entanto, motivo para abandonar a sua arte. Convicta das suas palavras, afirma: “não penso em deixar isto, porque é uma coisa que gosto”. As pernas podem já não ter a mesma robusteza, mas a cabeça está sempre a trabalhar, “tem de estar”.

Disparam cores por todos os recantos do espaço. As fantasias penduradas em cruzetas, as caixas de cartão empilhadas, os tecidos e os materiais cobrem as paredes de pedra. Numa delas, há espaço para arquivar o que faz parte da história. Pode ler-se, em letras grandes, “A Costureirinha da Sé”, junto de um retrato de Lurdes, cabelos escarlate, tão vivos em cor quanto as suas peças. A notícia, em papel, está emoldurada. Lurdes, já familiarizada com entrevistas, senta-se ao lado de uma máquina de costura. Estamos ainda nas primeiras cordialidades da conversa, quando alguém chega ao atelier. “Boa tarde, precisava de uma ajuda. Estou à procura de uma fantasia para criança”.

As visitas ainda acontecem. Há quem não se tenha rendido às grandes superfícies têxteis, aos cada vez mais ágeis e intuitivos envios pela internet, ou até mesmo às lojas de comércio a retalhe. Contudo, o tipo de procura mudou. Lurdes Vieira é agora conhecida pelas escolas e colégios do concelho, quer entre alunos, quer entre professores e funcionários; em festas temáticas de discotecas ou empresas privadas; em feiras onde se recriam as épocas romanas ou medievais. “Antigamente”, como relembra, na altura do Carnaval, havia mais crianças a vestir os fatos. A nostalgia inunda-lhe o rosto. Olha o atelier e revisita o passado: “elas às vezes saíam daqui a gritar que não lhes servia a roupa, mas que a queriam levar. Eu parecia uma menina a brincar com elas. Imaginava-me nelas”.

Também “desde menina” começou Lurdes a fazer vestidos para as suas bonecas. Mais tarde, já na adolescência, fez a sua primeira confeção numa alfaiataria “por cima das Frigideiras do Cantinho”. Depois, foi andando pela alfaiataria “Académica” e no “Cardoso da Saudade”. Segundo conta, os gostos pelo ofício impulsionaram-na a aprender mais. A costureira era observadora e os trabalhos iam aparecendo feitos mesmo sem o ensinamento dos mestres. Até que a mestre passou a ser ela. Nos anos 90, criou um negócio de confeção de malhas com 15 empregadas. “Neste espaço aqui”, refere, olhando em redor do atelier. Lurdes acabou por suspender a atividade, mas sempre com o apoio e incentivo das funcionárias. O atelier onde nos encontramos tornou-se vazio de companhias, Lurdes deixou a confeção e começou a trabalhar sozinha, “até hoje”.

Continua a ser até aos dias de hoje que Lurdes Vieira apenas aluga fantasias. “Não gosto de fazer para vender”, afirma. A estima por aquilo que é o seu “baú” transcende qualquer tipo de “ambição”, que diz não ter. “O dinheiro faz falta, mas dou mais valor a alguém levar uma roupa minha e tirar um prémio”. Para que haja premiações, é certo que qualidade não falte. A costureira pode demorar tanto “uma tarde” como “dois ou três dias” a conceber um fato. Antes disso, procura “tecidos adequados à época”, como é o caso das fantasias do século XVIII. Com as mãos de Lurdes e os materiais devidos, há fatos que duram anos e anos. “Mas também tenho sorte com os clientes”, acrescenta a artista, que muito preza quem a procura.

Já foi a altura em que as filhas usavam as suas fantasias em bailes e discotecas. Chegou a vez dos netos, que já os há. Ainda são miúdos, mascaram-se para o Carnaval. Lurdes mostra-nos uma fotografia de um deles, está vestido de Mickey. Os disfarces elaborados de raiz são exclusivos para a família. A costureira olha-os com carinho e orgulho. “Não sou de desistir”, garante. No que depender de si, ainda há muita gente para fantasiar.