“O futebol português pode ser como a Premier League”. Quem o diz é Rafaela Pimenta, agente de Haaland e Pogba, numa entrevista à CNN Portugal. A afirmação é ambiciosa e quase utópica. Será que o nosso futebol tem a capacidade de, um dia, poder ser equiparado àquele que se pratica na terra de Sua Majestade?
Se compararmos as seleções nacionais, Portugal já se encontra ao nível da Inglaterra. O que falta, então, para a liga portuguesa ser como a inglesa? Os motivos são essencialmente financeiros. Ao contrário da Premier League, o campeonato português não tem a capacidade de atrair, nem de reter, os jogadores mais talentosos a nível mundial.
Os melhores jogadores da liga continuam a deixar Portugal com destino a equipas do meio da tabela do campeonato inglês. No mercado de transferências do último verão, João Palhinha e Matheus Nunes, campeões pelo Sporting CP em 2020/21, rumaram à Grã-Bretanha para representarem, respetivamente, o Fulham e o Wolverhampton, clubes que nem sequer disputam competições europeias.
É evidente que a liga portuguesa precisa de gerar mais receitas para segurar o talento em território nacional e ser mais apelativa. Mas como? Pedro Proença quer exportar o futebol português para o estrangeiro. A ideia do presidente da Liga Portugal é disputar uma Taça da Liga com apenas quatro equipas, em terreno internacional.
A medida desperta diversas questões. Transformar a Taça da Liga numa competição elitista restringida a quatro emblemas é a melhor opção para a valorização do futebol português? Na última edição desta competição, os jogos das meias-finais levaram ao Municipal de Leiria cerca de dez mil espectadores (metade da capacidade total do estádio). Se os recintos não enchem com jogos em Leiria, vão encher quando as partidas forem disputadas noutro país? A medida vai atrair mais adeptos para o futebol português ou vai afastar os que existem?
Antes de avançar para a internacionalização do futebol nacional, talvez seja mais acertado construir primeiro as bases. Não é possível dar um salto sem ter primeiro os pés bem fixos no chão. É preciso melhorar passo a passo. Importa valorizar o adepto e a festa do futebol. Caso contrário, estamos a caminhar para um futebol aborrecido e com bancadas despidas. Esta época, apenas quatro equipas têm uma média de taxa de ocupação do estádio superior a 60% (SL Benfica, FC Porto, CS Marítimo e FC Famalicão).
É certo que a nossa liga não dispõe do futebol mais entusiasmante do mundo. No entanto, as explicações para a falta de espectadores vão para além da qualidade de jogo. Os bilhetes caros, a falta de comodidade nos estádios e os horários pouco convidativos afastam o público dos recintos. Não é apelativo para um adepto pagar para assistir a um jogo de futebol à chuva, numa bancada sem cobertura, às 21h15 de uma segunda-feira.
Quem estabelece os horários dos encontros não inclui os adeptos na equação. As horas são as mais convenientes aos canais de televisão. A SportTV possui seis canais, mas é raro haver dois jogos da liga portuguesa transmitidos em simultâneo. Existem outras ligas europeias, o que poderia explicar o porquê de não haver espaço, ao fim-de-semana, para transmitir todas as partidas da Liga Bwin. Contudo, o único campeonato de topo que a SportTV passa, para além do português, é o italiano.
Quando os horários tiverem em conta os aficionados, com jogos disputados nas tardes de sábado e domingo, talvez os estádios comecem a encher. As bancadas à pinha enaltecem a qualidade do campeonato. O ambiente fervoroso das plateias do futebol inglês não deixa os fãs de futebol indiferentes. Se atentarmos nas horas dos jogos da próxima jornada da Premier League, vemos que sete vão ser disputados na tarde de sábado e dois na tarde de domingo. Não são necessários modelos lineares e logarítmicos para identificar a correlação existente entre os horários dos encontros e a quantidade de adeptos presentes nos recintos.
Os problemas do futebol português não se ficam pela calendarização das partidas. Existem outras lacunas. A nossa liga é possivelmente a mais desequilibrada do top10 do ranking. Somente três equipas lutam pelo título e concentram em si a grande maioria dos adeptos. Novamente, não é preciso ser matemático para identificar a correlação.
Estes clubes têm mais fãs porque vencem mais. Os adeptos ambicionam a vitória. É mais importante vencer do que viver o desporto, nem que isso signifique apoiar uma equipa sediada a 300km de distância. Será possível mudar e repartir os adeptos por mais do que três clubes? Acredito que sim, tornando melhores os restantes emblemas que compõe o campeonato português. Os 15 clubes que não vencem o campeonato não estão lá só para os outros três terem alguém para jogar. Disputam a Liga Bwin porque conquistaram esse direito. A única diferença está no orçamento. Com jogos a melhores horas e com estádios mais cheios, estes conjuntos vão gerar receitas maiores e angariar mais associados.
Uma distribuição mais equilibrada dos direitos televisivos, como vai acontecer até 2028/29, pode melhorar, financeiramente, os clubes fora do eixo tripartido dos mais titulados. Estas 15 equipas têm a possibilidade de se tornarem mais competitivas. Assim, passaríamos a dispor de uma liga mais equilibrada e interessante. No que diz respeito às competições europeias, Portugal ficaria fortalecido com uma quantidade avolumada de equipas de valor. Atualmente, apenas FC Porto, SC Braga, SL Benfica e Sporting CP têm argumentos para disputar, olhos nos olhos, as fases de grupos das provas UEFA com as formações das melhores ligas da Europa.
Em 2019, o Vitória SC disputou os grupos da Liga Europa. Desde aí, mais nenhuma equipa portuguesa, para além das quatro supracitadas, repetiu o feito dos vimaranenses. Na atual edição da UEFA Conference League, o Gil Vicente FC, apurado como quinto classificado da Liga Bwin, enfrentou o AZ Alkmaar, quinto classificado dos Países Baixos. O resultado foi uma derrota dos barcelenses, por 6-1, no agregado dos dois jogos.
O passo mais lógico para catapultar a qualidade do nosso futebol tem de ser atenuar o desequilíbrio do campeonato, para melhorar as prestações europeias dos clubes portugueses. Se o quinto melhor clube português perde por cinco golos com o quinto melhor neerlandês, como podemos querer ser como a Premier League ou sonhar com a internacionalização do nosso futebol sem antes crescer como liga, a nível global?
Um campeonato onde três emblemas venceram 86 das 88 edições e onde todos os outros clubes são representados como decoração não pode ambicionar melhorias. Por outro lado, uma liga mais competitiva e imprevisível, com mais do que três ou quatro boas equipas vai atrair investidores para vários dos nossos clubes e captar a atenção de estações de televisão ao redor do mundo, que vão desejar comprar os direitos de uma liga em crescimento.
Com mais receitas para todos os clubes, será mais fácil manter os jogadores talentosos em Portugal. E com mais jogadores de classe mundial nos quadros das nossas equipas, poderemos sonhar com uma liga melhor e com um futebol melhor. É preciso construir as bases, mudar mentalidades e fixar bem os pés no chão para poder saltar mais alto do que os outros.