As mulheres que representam o mundo cinematográfico português não só têm rendimentos mais reduzidos, como não lhes é dado o devido espaço para a propagação dos seus projetos e progridem mais lentamente na carreira, comparativamente com os homens. Estes são os primeiros resultados do mais recente estudo feito pela associação MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, em parceria com a Universidade Católica Portuguesa.

O mundo imersivo criado nas produções audiovisuais permitem-nos não só relacionar com as personagens, mas entendê-las e vivê-las como se fossem de carne e osso. Contudo, isso levanta um problema mais profundo: as representações do feminino tendem a ser falaciadas quando a equipa de pré-produção e de produção são parcial e/ou inteiramente masculinas. Para além disso, uma questão de cariz profundamente pessoal ocupou um lugar primordial na minha mente: até que ponto há espaço para a Mulher no cinema português?

O cinema carece, várias vezes, da sensibilidade de um olhar feminino. Em adaptações cinematográficas de obras dos grandes nomes da literatura portuguesa, sobretudo masculina, a imagem da mulher torna-se quase demonizada, cujo único propósito é levar o protagonista masculino ao delírio. Isto resulta em produções audiovisuais onde a mulher é bidimensional e hiper-sexualizada, sem necessidade aparente.

Segundo o estudo da associação MUTIM, confirmou-se a ideia de que as narrativas produzidas atualmente não são híbridas nas representações de género e tendem a cair numa estereotipação. Existe uma disparidade descomunal entre as personagens femininas escritas por mulheres e por homens, ou mesmo escritas por mulheres na literatura e adaptadas por cineastas masculinos para o grande ecrã. As mulheres ocupam um papel subalternizado comparativamente aos homens nos projetos nacionais, concluiu também o estudo.

“As Amélias” e a Maria Eduarda, de Eça de Queirós, ou a Teresa, de Camilo Castelo Branco foram idealizadas sob a premissa de uma criatura divina, inocente e virginal, que seduz e enlouquece o respetivo co-protagonista. Por fim, e por os terem levado a cometer as maiores atrocidades imagináveis, padecem de uma fortuna trágica pela culpa dos seus atos ilícitos. Estas características são acentuadas nas adaptações cinematográficas de O Crime do Padre Amaro, tanto a versão de 2005, de Carlos Coelho da Silva e de 2023, de Leonel Vieira, d’Os Maias (2014), de João Botelho e de Amor de Perdição (1979), de Manoel de Oliveira.

É urgente abrir espaço para realizadoras, argumentistas, diretoras de arte, técnicas de som, operadoras de câmara, diretoras de fotografia e designers no universo da sétima arte portuguesa. Permitir que as mulheres recorram à sua voz e sejam, de facto, ouvidas, ocupando um lugar fixo na indústria. Mais importante ainda é garantir que a disseminação dessas produções seja feita com a mesma consistência dos trabalhos masculinos. Sobretudo, tendo em conta a precariedade no consumo cultural do nosso país.

São vários os nomes femininos que têm levado Portugal além das nossas fronteiras. Na ficção, A Metamorfose dos Pássaros (2020), de Catarina Vasconcelos, já arrecadou mais de vinte prémios à cineasta lisboeta, pela sensibilidade detalhista e apelo emocional característico do seu trabalho. Listen, a primeira longa-metragem de Ana Rocha de Sousa, foi um dos candidatos aos Óscares na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Ainda assim, não garantiu o seu lugar na cerimónia devido ao facto dos diálogos serem em inglês. Com a sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Veneza, Cães que Ladram aos Pássaros, de Leonor Teles, foi selecionada para os European Film Awards, na categoria de Melhor Curta-Metragem.

Por outro lado, Susana Sousa Dias ou Teresa Vilaverde recorreram ao cinema como forma de denúncia social. Tanto nos vastos projetos documentais da primeira sobre o Estado Novo, como na representação de problemas económicos e políticos mais recentes, retratados pela segunda artista.

O cinema português tem crescido de forma significativa nos últimos anos. Não só com adaptações literárias, mas com biografias de artistas nacionais, como recentemente a estreia de Amadeo, inspirado na vida do pintor Amadeo de Sousa Cardoso, ou em produções de ficção independente. O reconhecimento internacional tem contribuído para tal e surge como forma de abrir os olhos dos portugueses para o potencial criativo e qualidade de produção existente.