No paradigma do cinema português, descobrimos Ice Merchants, quinze minutos de animação realizada e ilustrada por João Gonzalez. Nesta curta-metragem reconhecemos o cinema na sua forma mais poética: embebida de sentimentos, bordada de cor, ritmo e movimento. Esta obra foi a primeira a ser nomeada para os Óscares, tendo também sido premiada no Festival de Cinema de Cannes, entre tantos outros, onde estreou no âmbito da Semana Internacional da Crítica de 2022.
Construída e presa numa escarpa, existe uma casa vertiginosa habitada por um pai e um filho. Juntos, saltam todos os dias de paraquedas para ir à cidade vender o gelo que a alta montanha lhes proporciona. Numa mistura de amarelos e vermelhos saturados, os dois voam numa paleta cromática singela, rasgando com os seus chapéus o céu, num desenho a lápis repleto de perspetivas.
De uma poesia emocional extrema, a narrativa enverga uma história sem diálogos, onde uma banda sonora original perdura – fiel cúmplice da intimidade partilhada pelos dois personagens, que vivem todos os dias na companhia um do outro. Presenciamos esse quotidiano acompanhado de simbolismos, enquanto nos vemos rendidos pela ambiência sonora. Esta descreve perfeitamente as emoções que a imagem nos transmite, num embalo de piano, construído precisamente para o efeito.
A mensagem presente na curta-metragem materializa sentimentos e emoções muito importantes. O amor e a perda estão sempre representados em todo o significado que aquela pequena casa guarda. Caracterizada em tons azuis e gelados, ocupa realmente um lugar central na narrativa na medida que ao mesmo tempo que os protege, será também mais para a frente uma das causas do conflito que levará ao clímax.
Ao olharmos para a caracterização das personagens e dos cenários, presenciamos um contraste entre o movimento fluído das cores e das ações com as montanhas que se mantêm paradas, no que parece um desenho simples, mas extremamente autêntico. O pai e o filho estão descritos de uma forma minimalista, mas repletos de sensibilidade, o que caracteriza bastante bem a curta-metragem em geral. A relação que eles partilham é extremamente afetiva. Denotamos na forma como se movem e nas suas expressões tudo o que estão a sentir e tornamo-nos íntimos do que vivem.
Todo o argumento está perfeitamente ilustrado e montado com um propósito, de acordo com o fio condutor da história, que permite diversas interpretações. Todos os pormenores escondidos culminam num final que se torna tão metafórico. Exalto, por exemplo, o facto de a cor da mãe ser o amarelo e a do pai o vermelho, que misturadas dão vida ao filho, que adota a cor laranja. Há uma enorme proximidade entre eles e um evidente sentimento de união e família. Um pai cheio de coragem abraça o filho nos seus braços, perante as adversidades da sua jornada, mesmo que isso signifique sacrificar-se a ele próprio e a necessidade de superar os seus próprios medos.
Concluindo, estamos perante um filme que exalta o Cinema, enquanto espaço de sonho e construção de imaginários. Talvez, quase, uma curta obra-prima para se ver, reparar e deixarmo-nos saltar… com a segurança de nos sentirmos protegidos pelos nossos sentimentos.
Título Original: Ice Merchants
Realização: João Gonzalez
Argumento: João Gonzalez
País de Origem: Portugal
Ano de Lançamento: 2022