Portugal é um recorte esguio de terra escondido no extremo da Europa. É uma coisa pequenina, com gente pequenina. Está longe das grandes metrópoles, atrasa-se nas grandes modernidades, demora a ser visto. É o que se diz. Mais por cá do que por lá. No fundo, os portugueses não acham grande piada ao que de seu podem chamar. Pelo menos, se de futebol não se tratar.

Reformulei uma questão que há muito tempo rondava os meus pensamentos. Passei de “produz-se pouca cultura em Portugal?” para “porque é que Portugal esmorece quem quer fazer cultura?”. Ou melhor, como é que um país não se cansa da mesma meia dúzia de estrelas iluminadas pelo holofote? Como é que ignora a maior fatia do bolo, como se já tivesse sido engolida? Será que Portugal só se alimenta da ribalta, dos galardões, das palmas estrangeiras? Parece-me que sim, quando só olha o artista quando o seu nome voa além-fronteiras. Quando só cuida da cultura em tempos de passadeira vermelha.

Temos, portanto, uma bifurcação na estrada do sucesso cultural português. Aqueles que tomam o caminho mais curto e, em simultâneo, mais fácil, ou aqueles que, não necessariamente por vontade do condutor, gramam com os solavancos de uma estrada pouco luminosa e praticamente deserta. Claro está, não é assim tão linear. Contudo, o que sucede muitas vezes é que quem sai do caminho esburacado e escondido, eventualmente consegue chegar à fronteira estrangeira. E, quando os de fora gostam, os de cá passam a adorar. Automaticamente, fazem-se obras na estrada.

O cinema que o diga. João Gonzalez já eternizou o seu nome na história das produções nacionais. O jovem realizou o primeiro filme português a estar nomeado para os Óscares. Chama-se Ice Merchants (2022) e até já venceu o prémio Annie de Melhor Curta-Metragem, a mais consagrada cerimónia que premeia cinema de animação nos Estados Unidos. Como é de esperar, Portugal enlouqueceu. De forma inédita, as salas de cinema anunciaram datas para a estreia comercial do filme. A animação, uma produção considerada de nicho, afastada dos grandes ecrãs das distribuidoras convencionais, espalha-se de repente por todo o país.

Na música, a audição também se torna mais apurada consoante o prestígio associado. “Amar Pelos Dois”, de Salvador Sobral, é exemplo disso. No entanto, há quem ainda nem sequer tenha palco para ser ouvido. A quota mínima de música portuguesa tocada nas rádios nacionais voltou a baixar. A obrigatoriedade já não é de 30%, mas sim de 25%. Existem motivos. Um deles prende-se pelo facto de não haver produção musical portuguesa suficiente que assegure estes valores. Afirma-o a Associação Portuguesa de Radiodifusão. A Sociedade Portuguesa de Autores, em contrapartida, condena a medida. Parece que o dilema ficará por aqui. Quem promove diz que é bom, quem cria diz que é mau. Não que cause grande transtorno aos ouvintes, acomodados com tanta plenitude a escutar as mesmas canções, às vezes com direito a várias repetições durante o dia.

Talvez outras questões importantes da sociedade tirem demasiado tempo às pessoas, talvez a pasta da cultura tenha de ser posta de lado de vez em quando, esquecida pelo pó que a cobre. Por isso mesmo talvez seja compreensível que se continue a comentar os mesmos cinco ou seis. Depois, quando se comemoram as conquistas e prémios que vão aparecendo, finge-se que se faz muito. É urgente cuidar das estradas portuguesas, sempre. Não vamos percorrer grandes caminhos se continuarmos apenas a cobrir os buracos de alguns caminhos.