Ainda a aguardar a sua adaptação para português, Sheila Heti entrega um livro aparentemente estranho com características e pontes narrativas atípicas. É a beleza no sentimento humano perante a grandiosidade da existência numa estética que cativa por si só.
Inicialmente, a Pure Colour apresenta-nos a sua beleza estética logo a partir da criação de três tipos de pessoas no mundo: os pássaros, os peixes e os ursos, que apresentam três traços de personalidade específicos diferentes. De seguida, é possível observar a sua intenção divina relativa à história, fazendo o leitor refletir verdadeiramente naquilo que é a existência, em especial através da perspetiva da escritora.
Acompanhamos a história de Mira que lida com dois fortes acontecimentos na sua vida, tento um impacto único na narrativa. O primeiro é a forma como se apaixona por Annie e o segundo a morte do seu pai. Sentimentos muito opostos, mas que se aproximam de forma especial.
Por um lado, vemos Mira a entender o possível sofrimento quando o sentimento amoroso deixa a desejar e por outro é encontrado um conforto na perda. De qualquer forma, a obra evidencia e tenta compreender com fortes metáforas o sabor daquilo que é amar e de que quando se ama há sempre algo a perder, sendo que a dor apenas surge do amor.
Com o pai, Mira sente-se dividida entre um alívio em já não ter de se preocupar com o mesmo e a sua solidão até à sua morte e o óbvio luto pela perda da pessoa que lhe era mais querida. Acompanhamos principalmente aquilo que é a memória de Mira e, sendo a memória demasiado complexa e seletiva, é enganada pela mesma enquanto navega por uma grande descoberta, tanto daquilo que a mesma é como da relação com o pai que quase caíra no esquecimento pela atual distância geográfica dos dois. Após esta morte, Mira sente a constante presença dentro de si daquele que a criara, como se o mesmo entrasse literalmente dentro de Mira para que então fossem um.
Tal como o acontecimento referido, outros como a transformação de personagens em folhas mostram o tom literal como metáfora da obra perante sentimentos demasiado fortes. Traz consigo uma forma de questionar o leitor e provocá-lo para trazer consigo uma atmosfera completamente diferente.
Sheila Heti escreve de forma sublime, deixando o leitor embalado pela beleza com que reúne as suas palavras. Transmite um prazer na sua leitura que só conseguirá ser rápida. Apesar de uma possível dificuldade da compreensão da estranheza do seu mundo, esta é facilmente ultrapassada na fluidez dos diálogos apresentados. Quando a leitura da obra acaba, o leitor não escapa ao sentimento e a parar por um segundo para respirar.
De facto, o ambiente que Pure Colour invoca provoca uma leitura muito mais bonita de algo que inicialmente seria considerado estranho. Com isto, toca em pontos tão delicados, mas que nos tornam tão humanos.
Título original: Pure Colour
Autora: Sheila Heti
Editora: Random House
Género: Romance
Data de lançamento: fevereiro de 2022