Diz-se que uma imagem vale mais que mil palavras, mas valerão mil imagens mais que um momento? O debate prolonga-se há décadas, sem resposta consensual, e conta com variadas opiniões de intelectuais, profissionais da fotografia e internautas especialistas em “no-meu-tempo-ismos”. É verdade que a fotografia requer abstração, mas essa distância não é antitética do carpe diem.
Num mundo que nunca esteve tão saturado com imagens como agora, importa refletir sobre a mais frequente razão dada para o registo fotográfico – a memória. A captura de momentos como recordação é inerentemente nostálgica e, por isso, melancólica. No seu conjunto de Ensaios sobre Fotografia (1977), Susan Sontag afirma que “todas as fotografias são memento mori. Tirar uma fotografia é participar na mortalidade, vulnerabilidade, mutabilidade de outra pessoa (ou coisa)”.
O ato de fotografar pede que percecionemos a totalidade do momento e escolhamos o que queremos enquadrar e capturar. Esta ação pode ser mais ou menos consciente e, assim, mais ou menos distante. Reconheço, empiricamente, que não vivemos o presente da mesma forma quando estamos de câmara na mão à procura do instante certo para registar. No entanto, limpe o sorriso da cara qualquer um dos internautas supramencionados, porque, com isto, quero apenas dizer que o experienciamos de outro modo, não que a câmara nos impede de viver autenticamente.
Aliás, enquanto se olha pelo viewfinder, o momento parece durar uma eternidade e, nessa eternidade, capturamos pormenores que passam despercebidos aos olhos de outros. Quer sejam os detalhes que vemos na hora através da lente ou outros em que só reparamos ao ver as fotografias posteriormente, ganhamos uma nova perspetiva sobre aquele instante que mais ninguém tem.
Assim, podemos falar de uma outra questão, que é a qualidade voyeurística da fotografia, sendo o distanciamento um requisito inerente a este fenómeno também. Não falo dos fotógrafos – e aqui o uso do masculino não é o neutro – cujo portefólio consiste apenas em retratos de jovens despidas em camas, praias ou florestas, apesar de ser uma das formas mais evidentes de predação fotográfica. O voyeurismo a que me refiro é outro mais subtil, menos predatório, mas similarmente invasivo.
Há uma sensação difícil de explicar quando encontramos algo que sentimos que tem de ser registado, seja pela sua beleza, repugnância, singularidade ou qualquer outra razão. Quem está por detrás da câmara decide capturar o momento antes que ele termine – não só fotograficamente, mas também num certo sentido de roubo –, quer o sujeito esteja consciente de que está a ser fotografado ou não. Enquanto se afasta emocionalmente do que está à sua volta, quem dispara o obturador tenta capturar da forma mais genuína possível esse mundo.
A necessidade de eternizar uma memória numa fotografia que envolve outras pessoas tem uma nuance voyeurística e de objetificação de outros como sujeitos, mesmo com boas intenções. É inexplicavelmente bom olhar para uma fotografia e sentir que conseguimos capturar a essência de algo ou alguém, mas nem sempre os sujeitos se identificam com essa interpretação.
Refletindo bem, é difícil não reconhecer que há um certo narcisismo no ato de fotografar e de capturar momentos como se fossem nossos para conservar, desafiando a passagem do tempo. A questão não é tanto sobre a abstração da fotografia nos alienar do presente, mas mais sobre essa distância servir a vontade de o ver com outros olhos e de preservar essa sensação.