Quando falamos de cultura, falamos em museus, salas de espetáculos, teatro, exposições, pintura, dança, e falamos também de música. A música nacional diz muito sobre a cultura do país e é um dos seus grandes símbolos culturais. As músicas portuguesas traduzem a cultura portuguesa. Os temas vão-se alterando à medida que a História avança. Se antes a música tradicional falava da imigração e da saudade de casa, hoje, os diferentes estilos de música têm os seus próprios temas. E quando o artista não tem espaço para a sua música? Isso demonstra o (des)interesse cultural do país?

Recentemente, a quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios nacionais baixou de 30% para 25%. Esta descida foi justificada, pelo Ministério da Cultura, com o levantamento das medidas de resposta à pandemia da Covid-19, afirmando que, como os artistas já podem dar concertos, a quota mínima obrigatória não deve ser “tão” alta, porque já não carecem de ajuda na divulgação e na valorização da sua arte.

Mesmo sem a necessidade acrescida de gerar receitas nos músicos, como existia na época da pandemia, as rádios, a meu ver, devem também ter um papel de intervenção e valorização da cultura portuguesa. As rádios têm o poder de fazer com que as mensagens dos músicos sejam transmitidas a mais pessoas e têm o poder de decidir que músicas devem ser ouvidas pelo público. As rádios fazem ligação entre a transmissão da música dos autores e os concertos ao vivo.

A Associação Portuguesa de Radiodifusão apoiou esta alteração, dizendo que não existe “produção suficiente” para assegurar a quota de 30% de música portuguesa. Esta é a ideia de muitos portugueses, que veem a música portuguesa a partir de ponto de vista reduzido. Para muitos, a música portuguesa ainda se resume a poucos estilos e a poucas vozes, o que muitas vezes se traduz na própria rádio, com a limitada “playlist” que muitas vezes encontramos.

As rádios locais caraterizam-se por transmitirem essencialmente música portuguesa. Já nas principais rádios nacionais, a preferência parece encaminhar-se para as músicas estrangeiras.  Bárbara Bandeira, DAMA, Noble, Bárbara Tinoco e Rita Rocha são os únicos nomes portugueses que surgem no Top25 desta semana da RFM. Nota-se uma grande repetição das mesmas músicas durante semanas nas principais rádios portuguesas, o que se torna aborrecido para o público, e além disso, não permite que outros artistas possam ter “tempo de antena”.

A Associação Portuguesa de Radiodifusão afirmou que aplicar uma quota de 30% é limitar a liberdade dos programadores. Não é limitador passar tanto tempo a transmitir as mesmas canções e as mesmas vozes? A afirmação só mostra, mais uma vez, o desconhecimento das produções e do potencial português.

Atualmente o mercado musical português tem muita oferta. A verdade é que nem sempre foi assim, e é por isso, que, em 2009, quando entrou em vigor, algumas rádios ficaram isentas da quota. Desde 2009, o panorama musical em Portugal cresceu muito, mas, a isenção manteve-se. Os estilos que eram escassos e que não cumpriam as quotas, hoje são dos mais produzidos.

O maior exemplo do desconhecimento em relação à música portuguesa é a artista Mimicat. A cantora que vai representar Portugal na Eurovisão só passou a ser conhecida do público pela sua candidatura ao Festival da Canção. Segundo a cantora, a sua participação serviu mesmo o propósito de representar todos os que nunca têm oportunidades.

A intérprete de “Ai Coração” lançou o seu primeiro álbum há mais de um quarto de século, e só agora conseguiu ser conhecida pelo público português. De onde virá a falta de reconhecimento? Falta de interesse no estilo musical? Falta de divulgação? Ou será por nunca ter caído nas boas graças da rádio? Entendo que a razão pela qual muitos portugueses ainda veem a música portuguesa como um setor pouco desenvolvido passa também pela falta de divulgação.

A quota mínima é um caminho para chegar a um momento em que a música portuguesa encontre dias sorridentes. Dias em que as pessoas passem a ter gosto na cultura portuguesa e que ouçam música nacional, não por ter de cumprir quotas, mas por fazer parte da sua História e cultura enquanto portugueses. Dias em que as rádios priorizem a produção portuguesa e usem o seu poder para lhe dar voz.