A 22 de março de 2023 estreou a segunda temporada da série brasileira da Netflix, Cidade Invisível. A fase inicial do projeto já tinha estreado em 2021, sendo bem recebida pela audiência. Desta vez a receção foi aparentemente positiva, apesar de haver claras falhas e um grande desvio da linha de história da primeira fase. 

Na primeira temporada, o foco é contar histórias fantásticas de lendas do folclore brasileiro. Assim sendo, grande parte das personagens são nomes icónicos que qualquer brasileiro reconheceria de histórias da sua infância, nomeadamente a Cuca, o Curupira, o Saci-pererê e Tutu.

Quanto à nova temporada a atenção encontra-se totalmente voltada para a história de Eric e da sua filha Luna, já também eles integrados nesta “vivência” no mundo da fantasia e lendas urbanas tornadas realidade. Esta nova produção é também centrada nos povos originários e na defesa do ambiente natural da floresta amazónica, incluindo também toda a história da mesma.

O interessante da nova temporada é que, desde o início, Luna é o foco. A menina, agora mais crescida, corre constantemente atrás de mais e mais conhecimento sobre o que a rodeia e a origem das criaturas misteriosas com quem contacta e, eventual e inevitavelmente, cria laços.
O ponto de vista sobre a vida da jovem é dado com recurso a planos mais aproximados envolventes e apelativos visualmente ao espectador. 

A pouca luz, escolha em diversas cenas logo no primeiro episodio, é algo que joga muitíssimo a favor do enredo. Serve de complemento a todo o mistério que as lendas e mitos já sugerem.  Ainda ligado ao visual, a paleta de cores centrada em tons quentes de castanhos e vermelhos e frios de verdes e azuis-escuros são também causadores de uma atmosfera propícia ao contexto das histórias misteriosas (e por vezes inquietantes) brasileiras. 

O elenco conta com nomes de peso, como Alessandra Negrini, e deve ser louvado. Além desta atriz que desempenha o papel de Cuca, também outros como Marco Pigossi e Manu Dieguez, nos papeis de Eric e Luna respetivamente, apresentam um desempenho fora do comum. Sabem sentir e fazer sentir cada frase proferida ou ação concretizada, algo capaz de causar arrepios.

Em forma de síntese, é necessário referir também os aspetos menos bons da produção. Pessoalmente, acho que aquele que salta mais à vista é a discrepância que existe entre a forma que é abordada a primeira temporada e a segunda. Como já referido, na primeira o foco era a transmissão de conhecimento acerca das lendas brasileiras. Já na segunda o holofote passa para a vida e relação entre pai e filha, deixando as lendas como algo subentendido e quase em segundo plano por estar tão disseminado.

O que deixa o gosto amargo na boca dos grandes amantes da primeira versão da série são as reviravoltas e escolhas questionáveis por parte de quem desenvolveu e estendeu a história. O fim pode, por isso, causar desconforto e levantar ainda mais questões acerca da vida do pai e da filha, apesar de já ter sido intensamente explorada ao longo de ambas as versões.

Assim, posso concluir que, apesar do esforço, a nova temporada de Cidade Invisível não conseguiu superar a primeira. O peso da alta qualidade da primeira parte do projeto ofusca e cria claramente uma comparação inevitável entre ambas. Muitas coisas ficaram em aberto e por explicar apesar de parecer haver um ponto final na história. Quem gosta deste tipo de confusão e incerteza?