Melancólico, romântico e exuberante são alguns dos adjetivos que descrevem o Livro de Mágoas, de Florbela Espanca, uma poetisa marcada pela sua cor depressiva e faceta extremamente expressiva. O seu livro transporta-nos para um mundo muito próprio que só ela é capaz de contar.

O Livro de Mágoas é a primeira das únicas duas obras publicadas pela autora antes do seu suicídio. O livro conta com 32 poemas que expressam as perturbações mais profundas de Florbela. A coletânea poética introduz o poema “Este livro …” que reflete o seu caráter mais depressivo e ansioso, um tom quase depreciativo da sua tristeza. É a introdução, também, a toda uma obra de vida da poetisa que revela ser o reflexo de quem foi e do que sentiu.

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O livro continua a refletir a sua identidade, primeiro enquanto poeta, mas também enquanto pessoa transcendente. O sujeito lírico descreve, em diversos dos seus poemas, que ser poeta não passa de um sonho alto, “não sou nada” remata. Os seus sentimentos melancólicos tomam conta de si com sentimentos de perdição, simultaneamente. Refletem a forma como se desvaloriza a si própria e à sua obra. Retratam perfeitamente quem foi Florbela Espanca: expressiva, melancólica e sem esperança.

A poesia da autora revela-se ser o espelho intimista dos seus sentimentos, das suas mais profundas emoções. Nela, embora sinta-se livre, sente-se também reclusa nas convenções escritas do que é poesia. “Tortura” revela-se uma das formas depreciativas nas quais Florbela Espanca se revê ao ler a sua poesia, “são assim ocos, rudes, os meus versos: rimas perdidas, vendavais dispersos, com que eu iludo os outros, com que minto”.

Ao mesmo tempo que reconhece essa realidade, culpa-se por uma falsidade quase irremediável dos seus versos. Porventura por considerar que a sua poesia é demasiado própria, demasiado sua que se torna falaciosa do quanto dela tem e do quanto ela lhe atribui como seu fruto da sua melancolia de vida.

Todo o seu quadro poético é melancólico, exuberante, um grito de socorro que rasga o céu. Uma voz tão grande em poemas tão belos e irremediavelmente condenados a uma literatura muito densa. Florbela Espanca não receia a tristeza ou dor, porque as vive. Todo o seu livro de mágoas nada mais é do que um auto-retrato, uma quase biografia poética que nos introduz à autora e nos permite perceber como esta se sentia face a si, à sua vida e à sua obra.

Sendo a primeira obra na sua curta e infeliz vida, é, de facto, o primeiro contacto que temos acessível a quem foi esta desvalorizada mulher. Nesse sentido, podemos perceber como é uma tentativa de Florbela Espanca se mostrar ao mundo pela primeira vez, com cores muito suas que refletem à priori as suas tendências depressivas, que resultaram, anos depois, no seu suicídio.

A sua poesia abre espaços de reflexão, quase intuitivos e basilares que nos permitem colocar a sua obra num espaço muito seu, muito próprio. Poucos poetas conseguem transmitir os seus sentimentos de uma forma tão pura, mas também tão clara como Florbela Espanca. A poetisa tenta encontrar-se, encontrar o seu lugar no mundo e a forma como o vê revelam-se sempre tentativas frustradas.

Uma das únicas obras do legado de uma poetisa excelente perturbada pela vida e assombrada pela sua triste realidade. É a supremacia da melancolia poética na sua melhor faceta. Um dos livros poéticos mais belos do contemporâneo.