Chegou há cerca de duas semanas às telas dos cinemas do público português e tem sido alvo de apreciações diversas por parte da crítica. Beau tem medo, nome original Beau is Afraid, é uma longa-metragem estadunidense escrita e dirigida por Ari Aster, o mesmo diretor e realizador de Hereditário e Midsommar. Fazem parte do elenco principal nomes como Armen Nahapetian, Parker Posey, Michael Gandolfini, Patti LuPone, Amy Ryan e o aclamado Joaquin Phoenix, protagonista da longa e  vencedor do prémio Óscar, pela sua sublime representação em Joker.À semelhança do que acontece em Hereditário e Midsommar, Beau tem medo traz vários momentos, considerados pelo público, totalmente macabros. Ao que Aster responde: “Sempre gostei deste tipo de coisas. Há muitas imagens que me traumatizaram no passado e hoje reproduzo-as. Cresci a ver filmes grotescos de terror”.

Classificado como comédia dramática e terror, a longa-metragem toma lugar e espaço num presente alternativo e conta a história de um homem de meia-idade, Beau Wassermann (Joaquin Phoenix), extremamente ansioso e paranoico. O protagonista apresenta uma relação conturbada com a própria mãe, Mona (Patti LuPone) e nunca conheceu o pai.

Quando Mona morre, Beau volta a casa para o funeral,  mas uma imensidão de acontecimentos desastrosos parecem fazê-lo desviar da sua jornada e destino. Beau prepara-se agora para enfrentar os seus maiores medos e dificuldades.

Numa perspetiva mais alegórica, e até metafórica, o filme retrata todo o processo terapêutico da personagem, alguém que foi rejeitado pela figura materna desde o ventre. Todas as questões, por mais absurdas que sejam, que nos são trazidas, são fruto das mentiras contadas pela mãe, e da própria relação entre ambos. A par disso, tudo o que vemos na tela é o processo de cura de Beau, conduzido pelo seu terapeuta e que nos tenta fazer chegar a possíveis respostas.

E, de forma sintetizada, o filme de Ari Aster reflete os dilemas freudianos entre uma mãe e o filho, e a apelidada culpa judaica. Trata-se de uma cultura de auto-culpa, na qual tudo o que acontece ao redor da pessoa, de alguma forma, faz dela culpada pelo ocorrido. Ari Aster é judeu e já afirmou ter o mesmo pensamento em determinadas alturas da sua vida. Essa é a visão de mundo de Beau – que fica ainda mais explícita na absurda sequência da longa-metragem.Beau tem medo é um primor de imersão em camadas densas de metalinguagem para fazer desenrolar um enredo fantástico e único sobre narcisismo e culpa. Revela-se também como uma personificação daquilo que nos pregam constantemente: sair da nossa zona de conforto e conseguir lidar com as nossas inseguranças, medos e questões, por mais irracionais que estes sejam. Aster conseguiu fazer algo diferente e nunca antes visto, que conjuga a comédia e o horror, de forma bastante convidativa e que nos prende intensamente ao ecrã.

No entanto, fazer um filme longo é um completo desafio e muitas das vezes, durante as três horas, o cansativo opunha-se ao desafiante e original.  De igual modo, o exagero do surrealismo criava diversas lacunas e questões sem respostas, que não nos levavam a nenhum lado.

O que Ari Aster nos trouxe difere um pouco da generalidade que nos chega aos ecrãs, diariamente.  É um verdadeiro mistério surrealista e alegórico de todos os medos que existem em cada um de nós, e dos problemas que acarretam no nosso dia-a-dia.