São olhares fortes sobre a estratificação social, marcada por desigualdades, que pintam um dos mais recentes filmes da Netflix, Hunger, lançado em abril do presente ano. A obra cinematográfica acompanha a vida de Aoy (protagonizada por Chutimon Chuengcharoensukying), que decide abandonar a humilde cozinha do restaurante da sua família, e juntar-se a Hunger, um dos restaurantes mais aclamados da sua zona.

É com dilemas causados quer pela desigualdade que assiste, quer pelo difícil e cruel mundo gastronómico, que a protagonista é desconstruída. Dirigido por Sitisiri Mongkolsiri, e com roteiro assinado por Kongdej Jaturansamee, Hunger caracteriza as diferenças sociais, num país como a Tailândia, através da comida que cada um come.

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No tempo presente, esta é caracterizada através de Aoy, que se vê dividida entre a comida simples que ocupa o prato todo, no restaurante da família, e a experiência gastronómica que Hunger concretiza para os seus clientes, que devoram os meticulosos e excêntricos pratos, sem nunca ficarem satisfeitos. Apercebemo-nos também, à medida que o passado do chefe é desvendado, que este também veio de um estrato social mais baixo, tendo passado por humilhações por parte dos mais avantajados.

É a disparidade de opiniões, essencialmente no que toca à gastronomia, entre Aoy e o chefe que tornam todas as discrepâncias mais assentes. Temas como a valorização da humildade, o respeito à matéria-prima e o sacrifício e vários tipos de fome também são abordados de forma indireta, ainda que interessante e, por vezes, profunda, através dos dois personagens, ao longo de todo o filme.

Toda a elaboração visual também colabora na transformação da narrativa. Altos contrastes entre a cozinha luxuosa do chef e a procura de cenas sublimes, sejam estas a mudança de luzes coloridas, que marcam o clímax, ou nos movimentos lentos que acompanham os chefs e os seus atos mais dramáticos na cozinha, envolvem e prendem a atenção do espectador.

O resultado auditivo também não deixa a desejar. Nos momentos de degustação da comida luxuosa, existe um contraste entre esta e os ricos, que se comportam como animais. Nestes momentos, também a trilha sonora converge para uma atmosfera mais pesada e densa.

Considerada exageradamente longa, a trama não chega a ser, de todo, aborrecida, apesar de, por vezes, ser previsível. É através do choque de algumas cenas, quer pela maneira abrupta e indelicada com que a comida é servida e devorada, quer pelo temperamento explosivo e exagerado do chef Paul, que a longa-metragem retém a atenção do público, assim como o faz refletir sobre diversas questões sociais.

Se realizado antes ou durante a pandemia, todo o filme teria sido muito mais interessante de assistir, mas a saturação de filmes com esta temática anticapitalista e social, deixa difícil qualquer um ser aclamado e notado. Hunger podia ter grande potencial, mas falhou ao optar pelo seguro e pelo óbvio.