A banda bracarense mistura a eletrónica com o rock e o tradicional.

Marcava o calendário o ano de 2017, quando surgiu o primeiro esboço dos mutu. O projeto individual do músico Pedro Fernandes caminhou para um quarteto, através da fusão da música tradicional com outras vertentes como o hindi, o pop rock, o rock minimalista e o post rock. Formalizada em 2020, a banda destaca-se pelo uso dos instrumentos tradicionais portugueses.

Os mutu, de mutualismo, caracterizam-se pela simbiose e harmonia de vários estilos. Quem o diz é Pedro Fernandes, membro do grupo, que, em conversa com o ComUM, explica que a banda “bebe de várias origens musicais”. Aos instrumentais em que trabalhavam inicialmente juntou-se a voz de Diogo Martins, chegando ao resultado que hoje apresentam. O mesmo, apesar de acreditar que também partilha de alguns gostos e influências musicais com os restantes membros, teve um papel decisivo na incorporação do tradicionalismo na sonoridade da banda: “O meu contributo para o projeto sempre passou mais pela parte da tradição e da mistura com esses estilos”.

As raízes de pequenas localidades como Adaúfe e Vieira do Minho levaram à valorização da “riqueza, forma, trabalho e emoção” das tradições. “Estamos a tentar não perder estas raízes. Queremos mostrar e preservar, de modo a vermos o quão bonito é usarmos instrumentos tradicionais na música contemporânea”, frisa Pedro Fernandes.

Conta que chegar a uma identidade foi a parte mais difícil em toda a jornada da banda. “Gravamos imensos temas, em que de 14 ficamos com dois. E ainda transformamos esses dois”, partilha. Um processo demorado que resultou na produção de músicas “contemplativas” e “lentas”, em que possam associar o lado audiovisual, durante os concertos. “Quase como uma curta-metragem”, afirma. No primeiro concerto, “cada tema tinha uma definição com uma analogia ao tema”. Assim, “as pessoas viam uma imagem que as transmitia para uma memória da cidade ou dos avós, tios, de onde viajaram, de algum filme, da infância ou algo histórico”.

A Morte do Artista: a desertificação da era industrial

As músicas contam com inspiração da beira baixa e de temas como A Senhora dos Remédios, passando uma ideia de desertificação. “A mensagem é a dicotomia sobre como o ser humano anda nesta rodinha de rato todos os dias, como somos basicamente empurrados cegamente para aquilo que parece a coisa certa a fazer”, esclarece Pedro Fernandes. A Corda retrata a ideia de rotinização. “Se lermos rápido, parece acorda, no sentido de termos de acordar”, explica. O tema passa a mensagem da era industrial, em que existe uma grande pressão para a produtividade, correndo o risco de perder “o que nos guia: a criatividade”.

A Morte do Artista retrata a perda da ideia de artista. “Em qualquer aldeia, havia um artista, aquela pessoa que sabia fazer telhados ou uma casa. Um artista era um bom nome, mas também podia ser usado como o reverso: olha o malandro.” A dualidade de significados devia-se à “arte de fazer qualquer coisa”. Pedro Fernandes pensa que se está a perder isso. “É tudo muito previsível, programado e protocolado”, opina.

Diogo Martins acompanha o mesmo raciocínio, reforçando que uma das mais importantes intenções com o novo álbum aquando da fusão tradicional-contemporâneo é recuperar o conceito de “função da música, para que é que a música serve”. Assim, sente que o trabalho de fusão de estilos ressuscita e eterniza as características únicas da música tradicional, sejam elas melódicas/estruturais, ou associadas ao contexto onde se inserem.

A gravação do álbum é “das partes mais ricas”. Trata-se do momento de “fechar o ciclo”, depois de ensaios em que “o som pode ser mais ou menos equilibrado, com mais ou menos criatividade”. “Há um dia em que temos de passar para o papel”, frisa Pedro Fernandes. É uma forma de consolidar o trabalho feito, conclui.

A estreia no “Trabalho da Casa”, projeto do gnration, foi o ponto de partida para “o clique de que isto é a sério”. Apesar de não ser uma música mainstream, a receção pelo público foi “brilhante”. Os elementos da banda confessam que não esperavam um feedback tão positivo, visto “não ser uma música fácil de ouvir”. Também as rádios – “principalmente as universitárias” – e os programas de autor, dos quais Pedro Fernandes destaca o Portugália, da Antena 3, ajudaram na promoção do grupo.

“O projeto tem sido muito bem recebido pela diferença”, afirma Diogo Martins, assegurando a narrativa de que a singularidade deste projeto tem sido um dos fatores mais atrativos à aclamação do público, ao contrário daquilo que era esperado. “É um desafio, vai haver pessoas que nos vão odiar, mas acho que as pessoas que vão gostar vão gostar a sério”.

A temática da Inteligência Artificial (AI) é também um dos assuntos que os elementos da banda mais associam ao seu novo projeto, sendo que a própria capa do álbum foi gerada por uma AI criada para compor peças de arte como pinturas, fotografias, etc.. Apesar de ambos acreditarem que a rapidez com que as novas tecnologias têm evoluído tenha criado um ritmo e uma pressão alucinante na sociedade, parecem aceitá-lo como uma realidade inevitável, e um desafio a produzir mais e melhor conteúdo.

A realidade da indústria musical

No pós-pandemia, a indústria musical está sobrecarregada de artistas com muitos trabalhos para apresentar, conduzindo à lotação total dos espaços de espetáculo. “Quem fazia a primeira linha das grandes salas nacionais, começa a fazer as segundas. E perdem-se as salas mais pequenas que normalmente é para bandas emergentes”, alerta. “As bandas pequenas vivem disso”.

“Gravar um disco fica caríssimo”, afirma. Sendo um investimento que sai das finanças pessoais de cada músico, só a tocar conseguem reaver esse dinheiro. “Se esses sítios são cortados, desanima muito quem está nas artes”, obrigando a recorrer a um trabalho “normal”.

A acrescentar a isso, ambos os membros encontram dificuldades no que toca ao agendamento. “Apostar num projeto novo é difícil”, uma vez que “as pessoas só vão se conhecerem”, sublinhando o papel da promoção. “Não temos o hábito de procurar cultura. Ela vai-nos chegando e consumimos unicamente o que nos chega pela televisão e pela rádio”, refere. Desse modo, torna-se mais complicado chegar ao ouvido das pessoas, já que “estão habituadas a ligar um botão e consumir sem a tal procura”. Em consequência, Pedro Fernandes diz ser raro encontrar promotores que arrisquem e sejam disruptivos. “Não damos valor a quem arrisca, mas sim a quem enche salas. O que importa é ter produtividade, mostrar números e não vontades nem educação – porque cultura é educação”.

Viver da música é uma realidade distante para o músico, dada a “rapidez com que consumimos a música. A arte passou a ser muito descartável”. O tempo de vida das criações artísticas tem vindo a diminuir ao longo dos anos. “Ao fim de três meses, acabou. Já tocaste em todo o lado porque Portugal é pequenino”. Além disso, considera que Portugal não exporta a música, enquanto a cultura de países como o Brasil ou o Reino Unido chega com facilidade. Não vê isto como uma questão regional, mas sim de um país que não cria ferramentas para fazer da música uma profissão. “É um ciclo vicioso. Vivemos do que as pessoas consomem”.

Para o futuro, os mutu almejam um segundo disco. Para isso, “temos de conseguir tocar este primeiro”. Pretendem explorar instrumentos diferentes e crescer nesse sentido com mais colaborações.

Artigo por: Beatriz Teixeira Leite e Marta Rodrigues