O trabalho infantil é altamente condenado nos média, tendo sido abolido em quase todas as áreas laborais na nossa sociedade, mas quando se trata das crianças no entretenimento o escrutínio público parece desaparecer. Há muito fluxo monetário envolvido e como “é um trabalho divertido” [ou visto como tal], as crianças acabam por trabalhar mais horas e, em muitos casos, tornam-se o sustento familiar.

A indústria musical é pouco ou nada diferente. Quando se é arrastado numa idade tão jovem para o centro das atenções, é ingénuo pensar que isso não terá qualquer efeito no normal desenvolvimento de uma criança. Pode até chegar a ser deteriorante se a criança não tiver a proteção legislativa necessária e, principalmente, se não houver um acompanhamento assíduo de adultos que tenham em primeiro lugar o seu bem-estar.

Nem é preciso dizer que estas duas condições raramente estão alinhadas. Basta olhar para Hollywood. Desde crises de saúde mental, drogas, álcool a um vasto número de casos de exploração infantil, tanto das agências que contratam estas crianças como dentro da própria família. Não é por acaso que maioria das “ex- celebridades infantis” reportam ter sofrido algum tipo de exploração quando eram jovens, desde sexualização e roubo a danos emocionais e físicos. Isto tem de parar. Não sejamos os cegos que não querem ver e façamos algo pelas crianças que fomos designados para proteger.

Um dos casos mais mediáticos envolve o rei do pop, Mickael Jackson. O cantor revelou que na banda Jackson 5 o seu próprio pai, Joe Jackson, os espancava, obrigando-os a trabalhar incansavelmente.  Como devem imaginar, não é uma infância de sonho. Britney Spears teve uma experiência semelhante, sendo submetida a um cronograma de trabalho exaustivo pelo pai.

Mas este não é só um fenómeno de Hollywood. Agora falamos das novas estrelas infantis do Youtube e do TikTok. Com estas redes, a exploração parece ter se tornado menos flagrante e até normalizada. Por exemplo, a cantora Jojo Siwa começou a carreira aos dez anos no show Dance Moms e ganhou popularidade no TikTok. Altamente elogiada, poucos foram aqueles sensíveis ao que se passava por de trás do glamour. No entanto, alguns fãs criticaram a mãe e os empresários por se aproveitarem da imagem hiperativa da cantora para chamar o público jovem. Em 2021 a cantora reportou sofrer de depressão e admitiu que tinha voltado para os antidepressivos.

Este não é um caso único e vai além da música. Muitos pais capitalizam as particularidades dos filhos, em detrimento da sua saúde. Contudo, é preciso abordar estes casos de uma forma cautelosa e moderada. Nem todos os pais agem com más intenções e acreditam que devem fazem o melhor ao proporcionar oportunidades aos filhos. No entanto, seja porque precisam de dinheiro, anseiam por atenção ou querem que os filhos vivam os seus próprios sonhos fracassados, muitas das maiores estrelas infantis de Hollywood admitem que os pais furtaram os seus bens e os exploraram quando eram pequenos.

Aaron Carter, tornou-se uma estrela pop na adolescência, no entanto, a sua família gastou 500 milhões de dólares [aproximadamente 455 milhões de euros] da sua carreira em 15 casas e 30 carros. Os casos são incontáveis. E, se os pais não se preocuparem com a segurança dos seus filhos, a probabilidade desta ser assegurada pelas editoras ou plataformas de streaming é reduzida.

Neste momento, plataformas como o TikTok e o Youtube estão mais preocupadas em cancelar opiniões dissidentes do que realmente combater problemas reais e aplicar medidas preventivas. Recentemente Amy Kaufman e Jessica Gelt conduziram uma investigação no Times sobre trabalho infantil no Youtube, em seguimento do caso do canal da cantora Piper Rockelle, onde foram feitas queixas sobre o incumprimento das leis de trabalho infantil.

Segundo o YouTube e outras plataformas de streaming, eles não são empregadores e por isso não têm obrigação de fazer cumprir as leis de trabalho infantil. Acrescentam ainda que as estrelas não recebem salários, são “monetizadas” para exibir anúncios pelos quais recebem dinheiro dos anunciantes. Acaba por se tornar ridículo, pois se o Youtube vai ganhar dinheiro com as crianças, o mínimo que pode fazer é garantir que esse conteúdo seja feito sob a proteção das leis de trabalho infantil.

As repercussões da exposição estão à vista. Artistas como o Justin Bieber já abriram o jogo sobre os perigos da fama excessiva em criança. “Já repararam nas estatísticas das estrelas infantis e no resultado da vida delas?”, escreveu num post do Instagram. “Há uma pressão e responsabilidade insanas sobre uma criança cujo cérebro, emoções, lobos frontais [responsável pela tomada de decisões] ainda não estão desenvolvidos”, defende. Não é por acaso que muitos acabam por “abusar de drogas”, simplesmente não conseguem “gerir os enormes altos e baixos que advém de ser um artista”, remata o cantor canadiense.

A artista Demi Lovato chegou a dizer que “nenhuma criança deveria estar na ribalta. É demasiada pressão. Há uma ausência de infância que nunca se chega a experimentar”. Não é a única que pensa assim, nomes como Billie Eilish, Selena Gomez, Willow Smith, Greyson Chance [entre muitos outros] descrevem as suas experiências da fama em criança como “traumática”. A verdade é que se a maioria dos adultos não consegue lidar com a pressão, as crianças acabam por não ter qualquer hipótese. Qualquer criança deve poder cantar e atuar, mas quando se fala de fama o preço parece demasiado alto.

Esta é a realidade da indústria. A probabilidade das crianças serem infelizes na ribalta é demasiado alta, e aí eu pergunto, até que ponto vale a pena empurrar uma criança por este caminho? E de quem é a responsabilidade dos danos causados? De uma coisa tenho a certeza, não é das crianças. Também pergunto. Numa sociedade quem devemos proteger? Não são os mais vulneráveis? E esses quem são? Não são as crianças?

A exploração de crianças é uma prática que não deve ser tolerada, muito menos glorificada. É importante que os pais, os profissionais da música e a sociedade em geral estejam conscientes desta questão e tomem medidas para garantir que as crianças não sejam prejudicadas em nome da fama e do sucesso. A indústria do entretenimento pode ser um sítio muito negro, e daí ser importante tomar consciência desta realidade para que se possam implementar medidas que combatam este problema.