Summer Walker é hoje um nome incontornável do R&B/Soul contemporâneo e, ao décimo nono dia no mês de maio, marcou o seu regresso com o EP CLEAR 2: SOFT LIFE. Este projeto segue a linhagem de CLEAR, já lançado em 2019.

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O leque musical não é vasto, mas está repleto de pedras preciosas para os maiores amantes do género musical no qual Walker é mestre. A voz da cantora é agradável, doce e, como é o intuito do EP, toca intensamente os ouvintes.

Começando de uma forma profunda e extremamente bela, Walker apresenta o feature com J. Cole: “To Summer, From Cole – Audio Hug”. Nesta faixa, a melodia do piano no fundo é acompanhada maioritariamente pela voz da cantora, e a repetição do verso “call me when you need some love” que só é interrompida por Cole. A doçura, carinho e amizade são transmitidos de uma forma suave por J. Cole que aproveita os versos para congratular Walker em conquistas pessoais e profissionais e realçar a aliança que é fundamental entre artistas. O rapper fecha os seus versos da forma mais bonita possível, dando a saber a Summer neste audio hug que estará sempre por perto quando ela precisar.

Hardlife” parece um suspiro, um desabafo profundo de Summer sobre ser uma verdadeira lutadora. As interrogações constantes são extremamente cativantes e uma ótima forma de introduzir os refrões. “Hardlife” tem um ritmo calmo, sendo isso um bom complemento a este hino às mulheres negras que, tal como a própria Summer, ainda têm de lutar mais do que os outros por reconhecimento na sociedade. De seguida, “How Does It Feel” parece querer levar o ouvinte numa jornada ainda mais intimista. Os vocais são desdobrados em harmonizações constantes com os de fundo da cantora, mas também dos coros. O conteúdo da letra tem, mais uma vez, um tom quase poético, sentimental e íntimo. Isso é perceptível na forma como a voz é colocada: Summer, num tom, apesar do sentimentalismo, angelical, aborda as dores de um relacionamento em que não fora valorizada.

Mind your Mouth” é um desafio às expectativas colocadas nas mulheres, incentivando à emancipação e independência. Summer escolheu uma forma muito própria de colocar este título: inicia-se com sons de uma plateia, dando todo o ambiente de estar num concerto a ouvi-la cantar. Trazendo mais de um tom de jazz à tona, a americana tenta assim dar a entender a sua perspetiva de como um relacionamento deve ser: igual, sem deixar que as expectativas da sociedade interfiram. “Pull Up” não é a melhor faixa do conjunto, mas, mesmo assim, dá para perceber muito da produção incrível de Jay Versace. A letra é íntima e chega a tocar o sensual, dando a entender a necessidade de uma conexão intensa com o outro, mas, mesmo assim, não permitindo que o envolvimento leve à cegueira.

New Type” foi uma surpresa para muitos pela colaboração de Childish Gambino, a.k.a Donald Glover. O rap em voz baixa, rouca e arrastada de Gambino realça mais uma vez todo o intuito e conceito do álbum de ser próximo ao ouvinte. Durante os seus versos, o artista parece entrar num papel, dando uma visão masculina entre as constantes reafirmações sobre o tipo de homem que Summer quer ou não. A forma como é feita a interpelação por parte de Donald Glover é genial, além do facto deste conseguir moldar-se perfeitamente ao ambiente da música, do álbum e à visão que Summer claramente procurava para este projeto. Resumindo: foi uma jogada impecável por parte da cantora em trazer um artista completo e versátil como Glover para uma colaboração.

Em “Finding Peace”, como o título indica, a artista ressalta a importância de deixar pessoas no caminho para conseguir paz e, mais importante do que isso, o amor-próprio. “Loosing people finding peace” é repetido como refrão, atribuindo a ideia de naturalidade à saída de relações tóxicas, como um ciclo normal, natural e mais que necessário para o bem próprio. “Set Up (2017)” carrega consigo uma onda de nostalgia. Aos fãs os acordes de fundo podem trazer à memória “Riot”, a faixa de abertura de CLEAR, de 2019. Apesar disso, nesta música, Summer limita-se a constatar que ela pode colocar-se no caminho certo para atingir o sucesso por si só.

Solange Knowles, Steve Lacy e John Carroll Kirby colaboraram na criação da música que serve de pano de fundo às sábias palavras de Summer Walker em “Agayu’s Revelation”. A música que encerra o leque com chave de ouro é claramente fora do comum. Para contextualizar, Agayu simboliza, na religião iorubá, fogo e transformação. Neste caso, em tom falado, Walker reflete sobre o seu papel nas relações da sua vida, concluindo que, muitas vezes, ela tende a “parti-las”. Ainda assim, a cantora justifica, em tom de conselho, que isto só acontece porque ela mesma tem a tendência de procurar pessoas de “vidro”, invés de pessoas de “ferro” como a própria. Para Summer, o balanço de tudo está em saber encontrar as pessoas certas: no caso, pessoas não frágeis. Conclui a artista que, seja como for, no fim de qualquer relação haverá sempre evolução quer seja mental, espiritual, física, financeira ou mesmo emocional.

Para concluir e não havendo grandes falhas a ser apontadas, é possível reafirmar o papel incontornável de Summer Walker na cena do R&B/Soul contemporâneo. Resta esperar mais projetos igualmente bons, bem compostos, que fazem jus ao talento da artista em ascensão.