Doidos por livros é um romance do estilo enemys to lovers da escritora Emily Henry e publicado em 2022. Ao longo da história, o leitor é convidado a conhecer a bonita história de amor entre Nora Stephens, uma agente literária, e Charlie Lastra, editor literário. Com ela vêm todas as ramificações que os levaram até ao cruzamento das duas vidas: a perda, o luto, a pertença e, sobretudo, a necessidade de proteger quem se ama.

O enredo divide-se entre Nova Iorque e Sunshine Falls, uma amorosa vila da Carolina do Norte. Nascidas e criadas na cidade que nunca dorme, Nora e a irmã, Libby, decidem mudar de ares e fazer uma viagem ao pequeno paraíso. O que a protagonista não sabe é que a mudança radical de cenário foi pensada pela irmã numa tentativa de a incentivar a viver a vida de forma real e autêntica e não apenas através dos livros. Inesperadamente, Sunshine Falls traz Charlie para a vida de Nora, cujos caminhos profissionais já se haviam cruzado anos antes, mas sem uma boa afinidade.

Emily Henry trouxe o tipo de personagens habitual, encontrando-se algumas semelhanças com os protagonistas de Romance de Verão (2020). A diferença evidencia-se na profundidade com que a vida de cada uma delas é gradualmente partilhada. Ao longo dos capítulos, o leitor tem oportunidade de mergulhar nas diferentes vivências, memórias e traumas das personagens, que se interligam por um ponto comum: o amor aos livros. Esse desenvolvimento permite compreender o que leva cada pessoa até àquele momento, o que está por trás de cada decisão e ver além da primeira camada.

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A narrativa é desvendada a partir da perspetiva de Nora, abrindo espaço para empatia e compreensão por parte do público. São descobertos os medos e fragilidades de alguém que passou toda a vida a carregar o peso do mundo às costas, para que não desabasse em cima de alguém que ama. Assim o fez com a irmã, ciclo que mais tarde se repete quando se aproxima de Charlie. Colocou o seu coração em segundo plano durante tanto tempo que acabou por deixar de se permitir sentir coisas positivas e bonitas. Em vez disso, intelectualizava as emoções, tornando-as em to do lists.

A relação de Nora e Charlie, o clássico enemys to lovers, surge como um novelo a desenrolar-se, sempre de um modo cativante que deixa o leitor curioso por saber o que vem a seguir. À medida que se vão aproximando, criam uma relação mais provocativa e sedutora. Contudo, esse flirt superficial dá lugar a uma descoberta mútua e profunda.

Gradualmente, assiste-se à partilha de memórias e desabafos entre os dois, altura em que se começa a evidenciar os pontos comuns que partilham. Aqueles que começaram por se odiar, vieram a perceber que são mais parecidos do que pensavam, ao ponto de se conseguirem ler como as páginas de um livro. Entendem a dor um do outro e agem da mesma forma com aqueles que amam: fazem tudo para os proteger. Tornaram-se o porto seguro um do outro, alguém com quem podem falar de tudo.

A protagonista feminina é o retrato da mulher moderna. A carreira é das coisas que mais preza, mas essa independência acaba por ser um problema em vários momentos. Sendo mulher, o seu empenho no trabalho faz com que seja percecionada como fria, arrogante e desprovida de sentimentos. Esse julgamento não a incomodava até se aperceber que estava a afetar a sua relação com as pessoas que mais ama e aí vem ao de cima uma Nora sensível, por baixo de toda a dureza.

Também a perceção sobre Charlie se vai alterando ao longo do enredo, na medida em que inicialmente aparenta ser apenas uma pessoa arrogante e distante. Ao conhecer as suas origens e todos os “rascunhos” que o levaram até à pessoa que é no presente vê-se um Charlie sensível, resiliente e, sobretudo, magoado. Vive acompanhado da solidão, do sentimento de não pertencer a lugar nenhum e de ter ficado aquém das expectativas que os pais tinham para ele. “Viver a meio gás”, como é descrito pelo pai, já que deixa os seus sonhos de lado para agradar ao que a família espera dele, ainda que isso signifique não ser ele próprio.

A evolução na relação do par romântico abre espaço para a própria Nora descobrir em si algo que não conhecia. Uma paz e um conforto que não sentia há anos, desde que perdera a mãe. Em todo o livro é retratado o processo de luto, bem como as diferentes formas com que as pessoas lidam com ele. A perda da figura materna significou para Nora a perda do sentimento de “casa” e de uma vida feliz, o que despertou em si a responsabilidade de apoiar a irmã e dar-lhe o mais próximo de casa que agora poderiam ter. É neste processo que melhor se evidencia a forma ternurenta e incondicional com que se preocupa com a irmã, visto ter desistido dos próprios objetivos para que não lhe faltasse nada.

Já pelo lado negativo, pode-se apontar uma certa precipitação em determinados momentos que tinham potencial para ser algo profundamente emocionante. Por exemplo, numa das primeiras conversas mais intimistas entre os dois protagonistas, na qual até se encontram no quarto de infância de Charlie – ambiente que por si só traz uma maior carga emotiva à cena –, são interrompidos pelo toque de um telemóvel. Se mais bem aproveitada, poderia tornar-se numa partilha ainda mais especial.

A forma como a narrativa está escrita leva o leitor a sentir-se próximo das personagens, fazendo-o torcer por um final feliz, até mesmo os menos românticos. Vindo de Emily Henry já seria de esperar um desfecho bonito e romântico, mas a reviravolta dos últimos capítulos traz muita emoção à história. Uma leitura cativante e emotiva, que leva os mais sensíveis às lágrimas em diversos momentos.

Assim, passa a mensagem de que há sempre algo melhor por vir, apesar de todo o mal que possa acontecer. “Sim, perdeste algo. Mas talvez um dia venhas a encontrar algo”. Nem o melhor nem o pior duram para sempre. Além disso, realça o poder da união de uma família e a forma como esses laços afetivos são importantes para o próprio bem-estar de cada um.