Depois de uma enorme campanha de marketing e comunicação, Citadel finalmente estreou em abril na Amazon Prime Video. Trata-se de um thriller cheio de espionagem, tecnologia, romance e muitas — mas mesmo muitas — cenas de ação.

Citadel é uma organização de espionagem que não trabalha para nenhuma nação ou país. É feito de pessoas para pessoas, sempre em vista com a salvaguarda da humanidade. Embora seja secreta, afinal não é assim tão sigilosa, pois outra organização — Manticora — anda atrás dela (que é como quem diz, a matar todos os agentes).

É assim mesmo que a história começa. A Manticora (sem que se saiba que foi ela) dá a entender que há uma arma química perigosa num comboio que será vendida a quem der mais por ela. De modo a proteger a população mundial, dois agentes da Citadel, Mason Kane (Richard Madden) e Nadia Sinh (Priyanka Chopra Jonas) intervêm e intercetam o suspeito.

No entanto, era tudo uma armadilha para erradicar mais agentes da Citadel. Dá-se toda uma cena de luta e pancadaria muito acesa, que termina com uma explosão e os espiões são separados e transbordados para fora do comboio. Mesmo magoada, Nadia está determinada a ir para Valência, Espanha (sem sabermos porquê), mas fica desesperada quando percebe que o protocolo de segurança da Citadel é ativado. O mesmo consiste numa limpeza total de memórias aos agentes que não dão sinal de vida, de modo a deixar em segredo todos os conteúdos confidenciais. Temos essa noção quando Mason acorda num hospital sem memória e Nadia vai para Valência só porque a mesma lhe deixou uma mensagem para ir.

Sem memória, sem missões para completar, sem saberem sequer o seu próprio nome e sem saberem que alguma vez foram agentes secretos, a história avança oito anos. Este tempo permite que os protagonistas possam construir uma vida nova. Mason — agora Kyle — está casado e tem uma filha. Nadia é dona de um restaurante em Valência. Ambos continuam sem memória, mas Kyle vai ao seu encontro depois de, sem querer, ter aparecido no radar de Bernard Orlick (Stanley Tucci), um dos poucos sobreviventes do ataque à Citadel.

É quando Bernard conta a Kyle que ficamos a perceber o que aconteceu: um dos agentes da Citadel passou o dossier de espiões para as mãos erradas, possibilitando um homicídio em escala de agentes. Apesar da história ser trágica, permite dar mais profundeza à premissa da série, uma vez que a Manticora deixa de ser a única “má da fita”. Outro bom resultado disto foi o aumento de thriller na história: sabe-se agora que foi, de certa forma, a Citadel que causou a sua própria destruição; mas a identidade desse agente é desconhecida. Mason, Nadia, Bernard ou mesmo alguém que ainda não conhecemos pode ser esse alguém, o que fomenta a desconfiança em todas as personagens.

É, indubitavelmente, o melhor da série: esta dúvida e vontade de saber o que se passou e o que se passa. Até porque quando o Kyle se reencontra com Nadia, ela arranja maneira de se lembrar de quem é. Ao termos uma dupla de protagonistas, em que um sabe o que se passa e o outro não, permite-nos ir percebendo o estado das coisas. É como se a Nadia fizesse a história desenrolar e o Kyle fizesse as perguntas que nós, enquanto audiência, queremos ver respondidas.

No entanto, apesar da dupla principal ser “a dupla principal”, há outra dupla interessante, senão mais. Falo da relação entre o Bernard e a Dahlia Archer (Lesley Manville). Dahlia é a embaixadora do Reino Unido nos Estados Unidos, mas ela não está apenas na política legal: é ela que faz acontecer os interesses da Manticora na política. No fundo, Dahlia arranja forma de legalizar os caprichos das oito famílias mais ricas do mundo, a Manticora. É uma mulher com muita classe, sotaque acentuado e determinada, onde a sua personalidade “maléfica” encaixa muito bem.

A relação do Bernard com a Dahlia é razão de aplausos, pois não só os atores são fantásticos (e, mundialmente, reconhecidos nos seus trabalhos) mas também porque são dois extremos. Enquanto que Dahlia é muito séria, Bernard está sempre a gozar, mesmo que a sua vida esteja por um fio. Para além disso, dá-se a entender que as personagens já se conheciam antes, pois o que move Dahlia é mais que o dinheiro da Manticora: há uma vingança que ela anseia e que o Bernard sabe qual é; o que fomenta a nossa curiosidade.

Portanto, não há só uma grande história. Há vários ramos da história que estão entrançados e que se vão dissecando, ou muito lenta ou muito rapidamente. O humor está sempre presente e, juntamente com a magnífica direção de arte, é o que salva a série. Existem demasiadas cenas de ação, tecnologia que mais parece ficção científica, histórias de amor sem fundamento e relações familiares disfuncionais.

Por outro lado, a banda sonora original é marcante por toda a série e ajuda muito a reiterar as emoções das personagens (já que, nesta história, todas elas sabem sempre muito mais do que o espetador). A destacar também, pela positiva, a escolha das localizações. É raro haver algo para salvar fora de Londres ou Nova Iorque e, embora estas cidades também apareçam, não são de todo o fundo da série. De igual modo, a existência de tantos lugares e o seu acesso facilitado não ajuda, uma vez mais, para incutir realismo na história. Por último, uma surpresa agradável foi a presença da língua portuguesa na série com as suas tão caricatas palavras feias.

Ao fim ao cabo, a história tem potencial. Já estão em marcha spin-offs e Citadel foi renovada para uma segunda temporada e tendo em conta tudo o que foi revelado no último episódio, os fãs anseiam por (ainda) mais respostas. Apesar da história ter seguido um rumo em que faltou brilho, o humor e a representação dos protagonistas foram fantásticos. Richard Madden teve que se desdobrar em dois homens, Mason e Kyle, e a Priyanka Chopra Jonas teve que se manter séria e focada o tempo inteiro, mesmo quando a sua personagem só tinha vontade de chorar por saber toda a verdade.