O novo filme de Kleber Mendonça Filho teve antestreia esgotada no Porto

Neste domingo, dia 16, as salas do Cinema da Trindade receberam a presença do cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho e do seu novo projeto Retratos Fantasmas. Após as sessões, ocorreu ainda uma conversa com o realizador.

A longa, que só terá sua estreia comercial em Portugal no dia 24 de agosto, foi exibida mundialmente no Festival de Cannes numa sessão especial, fora de competição. Entretanto, não é a primeira presença de Kleber nesta premiação. Os seus projetos anteriores Som ao redor, Aquarius e Bacurau, para além da grande repercussão no Brasil, conquistaram o público internacional pela sua ousadia, criticidade e sensibilidade.

Retratos Fantasmas, assume um estilo ainda não explorado por Kleber. Em formato documental, é investigado o processo de transformação da cidade de Recife no nordeste do Brasil. Mais especificamente, reflete as modificações dos cinemas presentes no centro da cidade e como estes foram influenciados e influenciam o comportamento dos seus habitantes.

Sendo um filme de arquivo, são revisitados outros trabalhos e materiais produzidos pelo realizador ao longo de sua juventude nos anos 80. Porém, é a partir de 7 anos de investigação que o filme ganha corpo. Este conta com imagens e documentos da Cinemateca Brasileira, Centro Técnico Audiovisual e Fundação Joaquim Nabuco.

O cineasta pernambucano narra a sua própria obra e compartilha, de forma nostálgica e íntima, a sua admiração pelo cinema, exaltando a potência cultural, atemporal e até mesmo espiritual que o mesmo pode proporcionar. “Não é uma história particular do Recife.”, comenta Kleber. Neste sentido, mesmo tratando-se de uma visão extremamente pessoal, não está restrita à cidade retratada. De facto, a mesma sequência de acontecimentos condicionados por muitos aspectos políticos, sociais e tecnológicos pode ocorrer de forma semelhante em outras salas de cinema no Brasil e pelo mundo.

Um documentário recheado de histórias sobre a capital de Pernambuco poderia facilmente tender à monotonia, o que, não por acaso, não ocorre nesta obra. O cuidadoso e criativo trabalho de montagem atribui um ritmo dinâmico à narrativa que desperta a curiosidade e empatia do espectador. As técnicas de montagem associadas a um senso cômico e irônico transformam o banal, como mesas de cozinha, gatos de rua, trabalhadores, marquises de cinemas, numa grande poesia de recordações.

Ainda associando a ideia de recordar algo que já não existe mais, a fala “Os filmes de ficção são os melhores documentários” consegue sintetizar uma das ideias centrais da longa. Todos os filmes, por mais que ficcionais, utilizam algum espaço para contar e imergir os espectadores nas suas histórias. Portanto, como referiu o diretor na antestreia na Trindade  “o cinema pode fotografar o tempo” e, ao revisitar uma obra antiga, seja ela qual for, ocorre o encontro quase sobrenatural com algo já não existente no presente, como um fantasma. O registro fílmico tem a capacidade de imortalizar uma ideia, uma pessoa ou um espaço ao mesmo tempo que permite a observação da sua metamorfose.

Por fim, a presença da música “Meu sangue ferve por você”, de Sidney Magal, utilizada no trailer e em grande parte do filme, não poderia ter sido escolhida de forma mais precisa. O amor eloquente descrito na letra apresenta-se como um suporte essencial para a grande carta de amor filmada.

Kleber Mendonça Filho emociona, hipnotiza e faz rir sem romantizar de forma gloriosa um passado perdido. Pelo contrário, ao retratar resistência e preservação de um dos cinemas da cidade, o São Luiz, olha para o futuro de forma menos pessimista e até mesmo esperançosa para a valorização da cultura e da arte em sociedade.