Formados apenas no final da década passada, os Unsafe Space Garden têm vindo a destacar-se como uma das bandas mais interessantes dos pequenos circuitos musicais em Portugal. O projeto, que começou na casa de Alexandra Saldanha e Nuno Duarte, é atualmente constituído por seis elementos.
A génese
Profeticamente ou não, foi na cidade berço que nasceram os Unsafe Space Garden, entre 2017 e 2018, e foi da mente de Nuno Duarte que brotaram as primeiras raízes daquilo que viria a ser a música do grupo. Em 2019, já com as ideias relativamente mais organizadas, lançaram o EP Bubble Burst, com apenas cinco músicas. Desde então, a banda tem crescido rapidamente, tanto em popularidade como em número de elementos.
Atualmente, fazem parte dos Unsafe Space Garden: Nuno Duarte (guitarra e voz), Alexandra Saldanha (voz e teclados), Filipe Louro (baixo), Diogo Costa (eletrónica), José Vale (guitarra) e Pedro Vasconcelos/João Cardita (bateria) – Pedro gravou em estúdio no último álbum, mas é João quem tem tocado ao vivo. Há pouco mais de um mês, no palco do Primavera Sound Porto, juntaram-se ainda Pedro Melo Alves na bateria e João Grilo nos teclados.
Acompanhando este crescimento, naturalmente, têm surgido alterações na dinâmica da banda. Ao escrever as músicas, por exemplo, há a noção do perigo de se começar a considerar demasiado o público, explica Nuno Duarte. Simultaneamente, o músico entende que, sendo consciente, esta consideração também pode beneficiar o trabalho, porque conseguem “ativar a música e direcioná-la” para como ela pode acontecer ao vivo, com esse público.
Sobre o alinhamento, Nuno reconhece que a adição de elementos “alterou drasticamente a possibilidade daquilo que se pode fazer ao vivo” e permitiu a “dimensão mais maximalista” frequentemente associada ao som da banda. Outro aspeto importante é que “qualquer pessoa que entre em Unsafe tem de ter uma qualidade muito peculiar em si”, segundo Alexandra, fazendo com que entendam a música de maneira diferente e modificando-a “a todos os níveis”. A dupla destaca o contraste entre o rigoroso “Dr. Micronuance”, Filipe Louro, e o “rockstar” José Vale, que se encontram num equilíbrio perfeito.
Mesmo tendo nascido na cidade berço, as letras são maioritariamente em inglês, algo que atribuem ao facto de terem crescido com a MTV. Porém, reconhecem que as duas línguas envolvem estados de vulnerabilidade diferentes. Afinal, Alexandra admite que escrever em português é como estarem “despidos, a mostrar o rabiosque ao público”, e que o inglês ajuda a mascarar a fragilidade. Nuno, concordando, entende que a troca entre idiomas lhes permite aproximarem-se do público em momentos chave. Ainda assim, diz que é uma ferramenta que não sabem “muito bem como usar” e que ambas as línguas têm as suas particularidades, beneficiando do uso das duas.
Além da MTV, Alexandra já falou várias vezes sobre a importância de High School Musical (2006) durante a sua infância – e que se nota bem na teatralidade dos concertos da banda –, mas as influências não acabam por aqui. Entre as mais inesperadas está o stand-up dos anos 70 e as “guitarradas” de John Mayer – esta última Nuno expôs com mais hesitação.
A discografia
Um ano depois de Bubble Burst (2019), os vimaranenses lançaram o seu primeiro LP, Guilty Measures (2020), onde se aproximaram mais da excentricidade cómica pela qual são conhecidos. Apesar de ter surgido como algo natural, ambos reconhecem que o experimentalismo resultou de perceberem as possibilidades da música. “Podemos, de facto, fazer exatamente aquilo que nos apetece, e se ninguém gostar não faz mal, mas podemos”, reflete a vocalista.
“Acho que nunca seríamos capazes de ter um disco que são dúvidas existenciais sem um bocado de comédia e noção da pequenez da raça humana, porque depois já não era quem nós somos”
Mantendo a regularidade, foi em 2021 que pudemos ouvir Bro, You Got Something in Your Eye – A Guided Meditation. O disco, que reflete sobre a vida e o nosso propósito no mundo, lança-nos numa espiral existencialista, mas faz a viagem connosco, sem nunca nos largar a mão. Nuno esclarece que se tratou de “tirar a seriedade” daquilo que nos parece mais importante e difícil, tendo “noção da pequenez da raça humana”, acrescenta Alexandra.
No seu último álbum, WHERE’S THE GROUND? (2023), procuraram “lembrar a importância de ter uma comunidade de pessoas à nossa volta que se tornam o nosso chão” quando a vida adulta nos deixa desamparados, explica a artista. Nuno Duarte realça ainda a filosofia de ver as pequenas coisas com “a mesma intensidade de uma criança” que está a aprender a andar, focando toda a energia e reencontrando a magia em cada passo. A dica, esclarece o músico, ajuda a evitar o “ciclo de abatimento” que nos torna em adultos cinzentos.
A cultura
Apesar de ter já sido Capital Europeia da Cultura, Guimarães não é conhecida por produzir bandas e artistas da mesma forma que outras cidades do Minho. Espaços físicos como salas de ensaio já existem, mas Nuno e Alexandra sentem que falta à cidade “um espaço de comunidade musical”, uma “coisa viva” onde músicos possam coexistir. O cenário, no entanto, não é completamente despido de esperança, porque “as coisas levam o seu tempo”, assegura Nuno. Alexandra destaca ainda o papel do bar Oub’Lá, que tem feito um “trabalho incrível”, mesmo não tendo “superpoderes de fazer do espaço outra coisa menos limitada do que é”.
“Termos pessoas que não são músicos, artistas ou com alguma sensibilidade artística a tratar de assuntos de cultura gera o estado da cultura em Portugal, que é termos o orçamento que temos e as possibilidades que temos, que são nenhumas.”
Simplificando, ambos sentem que falta um espaço como o Centro Comercial Stop, no Porto, de onde a Câmara Municipal expulsou centenas de músicos na terça-feira passada. Os artistas atribuem a decisão a uma “falta de noção de como é que a música surge”, defendendo que todos devem ter condições para fazer o que gostam, sejam populares ou não. Alexandra explica “o quão belo é existir no Stop”, pela comunhão de ecossistemas e pelo ambiente de resiliência, destacando ainda que “o Stop está no disco” que lançaram em maio deste ano, gravado e ensaiado maioritariamente lá. A artista culpa “o estado da Cultura em Portugal” em decisões como a de Rui Moreira, mas mostra fé na comunidade: “Não precisamos de vocês. Se quiserem ajudar, ‘tá tudo, mas nós vamos fazer acontecer na mesma”.
O futuro
Relativamente a planos para o futuro, ambições como “salvar o mundo” fazem parte da agenda dos Unsafe Space Garden. O que parece complicado, na verdade consegue-se através de pequenas ações como “praticar um pouco de compaixão uns pelos outros no dia-a-dia”, acredita Alexandra. Nuno fala ainda de procurar dialogar e compreender quem nos rodeia, de forma flexível: “Às vezes, salvar o mundo acaba por ser tornar as relações que tens à tua volta uma coisa estável”.
A curto prazo, prometem muita alegria, gravações de live sessions (possivelmente) e vontade de lançar muita música no próximo ano, apesar de não saberem se o conseguem concretizar, por terem “meios limitados”. De resto, garantem que às 15h da próxima segunda-feira, dia 24, estarão em frente à CM do Porto, na manifestação pelo Stop, e urgem a todos que se juntem para “marcar uma posição vincada sobre a importância da cultura em Portugal”.