Uma reportagem escrita por Carolina Damas e Diogo Braga.
Perdida, ou melhor, achada nas encostas da Serra de Santa Isabel e do Monte da Abadia está a Aldeia de Urjal. Das poucas pessoas que lá vivem, ouvem-se histórias do lugar que agora conta com cerca de 27 habitantes, confirmou-nos Paulo. “Ainda no outro dia os contei”. Entre as casas rústicas e típicas da região minhota, o granito escuro sobressai e contrasta com os olhares brilhantes daqueles que falam da aldeia como se de família se tratasse.
Após um caminho a pique por curvas infindáveis, foram dois tratores parados, um de cada lado da estrada, que nos deram as boas-vindas. É quarta-feira, dia 17 de maio e são 10:30 da manhã e não se vê ninguém na rua. Não passa um único carro. Por entre o som das folhas a dançar com o vento, o primeiro contacto com vida foi uma vaca que se pastava a si própria no meio da calçada. Logo a seguir, outra. É mais fácil encontrar animais do que pessoas. O único sinal que nos prova que realmente vive aqui gente são os cães a ladrar em cada casa que passamos.
Quer pela emigração, quer pela procura de novas oportunidades fora da sua terra natal, a população na aldeia tem diminuído ao longo do tempo. Neste momento, um dos maiores problemas é o despovoamento e o abandono da população mais jovem, o que se tem feito notar não só em Urjal, mas em todo o interior do país. Urjal pertence à União de freguesias de Vilela, Seramil e Paredes Secas que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, perdeu cerca de 100 habitantes nos últimos dez anos.
Apesar disso, houve habitantes que resistiram para contar as peripécias. O senhor António Rodrigues vive há 88 anos em Urjal, desde que nasceu portanto. Trabalhava no campo, plantava milho, centeio, feijão e batata. Mostra-se tímido inicialmente, talvez com receio de ver dois desconhecidos no meio das gentes que conhece como a palma das suas mãos. Por baixo da sua boina, o bom humor é constante enquanto nos conta um pouco do seu dia a dia. “Aqui na aldeia trabalha-se na lavoura”, expressa o aldeão. “Vamos para as terras, entretemo-nos por lá”.
Já o Paulo, com cerca de 35 anos, apanhámo-lo em casa por sorte. Sorte a nossa, azar o dele, que nos abriu a porta de gesso na perna. Quanto à sua rotina, o trabalhador por conta própria em limpezas florestais afirma que “normalmente sai de manhã e só entra à noite”. Quando descemos a rua, avistámos uma senhora a trabalhar nas terras, e comprovamos que àquelas horas da manhã só estaria em casa quem não conseguisse trabalhar (como era o caso dos dois aldeões). “Trabalho no campo, os dias são todos iguais”, refere de enxada na mão.
Os dias só diferem realmente quando têm de se deslocar para ir às compras ou ao médico. Entre Urjal e o mercado mais próximo, contam-se 10 quilómetros. No entanto, o senhor Rodrigues, apesar da sua idade, não se demonstra desconfortável, nem mesmo aborrecido, por ter de ser ele próprio a pegar no carro e a dirigir-se a Amares. “Agora há carros!”, brinca. De vez em quando precisa de algo que a terra não dá. “Às vezes faz falta arroz, açúcar ou bacalhau”, contou-nos. Para quem não tem carro, o transporte coletivo é a única solução. De acordo com Paulo, “de camioneta os horários são diferentes” e os habitantes têm de trocar de autocarro duas vezes para ir até ao hospital.
Mas a dona Rosa não se deixou ficar atrás e disse-nos logo, envaidecida, que “não é difícil ir à cidade”. “O meu filho mais velho vive em Amares, o outro vive aqui e trabalha no Braga Parque”, afirma, “e eles gostam muito”. Apesar disso, nem todos os jovens da aldeia têm o mesmo fado. Toda a família de António está fora. Os seus três filhos foram à procura de melhores condições de vida. Uma filha no Luxemburgo, outra no Porto e a terceira escolheu Braga para chamar de lar. Diz que, atualmente, “nem pessoas novas há para saírem daqui”. A aldeia tornou-se um local de pacatez e solidão, onde nem jovens há para emigrar.
Todos nos confirmaram que a televisão e a rádio são a companhia diária. Alguns, mais conversadores, dizem que se dão bem com todos os vizinhos. No entanto, a timidez do senhor António, por entre as cortinas que não deixam nem uma mosca entrar na sua intimidade, é iminente quando afirma não passar de um “bom dia, boa tarde”. Talvez a convivência com a vizinhança nas pequenas povoações não seja tão diferente daquela que existe nas cidades.
Rui Tomada, presidente da União de Freguesias de Vilela, Seramil e Paredes Secas, mostra-se confiante quanto ao futuro próximo da aldeia do Urjal: “Nós temos preocupação de criar condições às pessoas para que elas possam ficar lá e possam criar o seu próprio meio financeiro”. A Junta de Freguesia abre apenas uma vez por semana em cada localidade. Em Vilela e Seramil abre às segundas-feiras, durante apenas uma hora, das 20h30 às 21h30 e das 21h30 às 22h30 respetivamente. Se a população de Paredes Secas quiser deslocar-se lá, terá de o fazer às quintas-feiras das 21h30 às 22h30. “Fazemos horário pós laboral que é o que entendemos ser mais ajustado aos nossos cidadãos”, afirma Rui Tomada. A verdade é que muitos habitantes saem de manhã e só voltam à noite.
Muitas das tradições foram-se perdendo ao longo dos anos. Produção de azeite, transformação do linho, criação de gado bovino e ovino são alguns dos costumes que se foram esquecendo. “As pessoas foram desistindo”, afirma o presidente da União de freguesias. Os interesses mudaram. A aldeia reinventou-se. Seria estranho pensar que um local com duas dezenas de habitantes pudesse alguma vez ter turismo. A verdade é que não são poucas as casas convertidas em alojamentos locais. Com o aumento de visitantes (muitos estrangeiros), a pequena povoação tem vindo a ganhar um pouco mais de vida. A Casa da Urze e a Casa da Sequeira D’Urjal são dois dos alojamentos responsáveis pela cada vez maior dinamização da aldeia.
Não só no turismo hoteleiro, como também no turismo de lazer, a aldeia do Urjal tem vindo a evidenciar-se. A Urjalândia, projeto começado em 2017 e conceito pioneiro em Portugal, tem sido um dos alvos de muitos visitantes. É durante a altura do Natal que o evento abre portas, demonstrando a sua originalidade e naturalidade. Os turistas sentem as vivências da aldeia durante 3 dias repletos de tradições. Prova-se a broa, os enchidos e os vinhos feitos em casa dos camponeses. Além disso, Urjal é decorado de forma sustentável com a contribuição das gentes locais. No início de 2023, na apresentação da quarta edição, o presidente da Câmara Municipal de Amares afirmou que o objetivo é promover o território de baixa densidade e dinamizar a freguesia de Seramil, combatendo a sua desertificação. Em 2019, passaram pelo local entre cinco e dez mil pessoas.