João Canijo regressa com dois filmes de uma mesma realidade, onde o bem-estar parece uma raridade na vida de cada personagem. Viver Mal releva um realismo dramático cativante, sobretudo quando o analisamos de perto, não esquecendo de toda a sua estética visual e narrativa deliciosa.

Complementando-se a Mal Viver, em Viver Mal acompanhamos a estadia de três famílias num hotel no litoral português. Analisamos a tragédia da vida de cada um dos clientes – ou apenas o seu mal-estar constante provocado pelos próprios.

Primeiramente, observamos um casal que não deveria estar junto e os seus dilemas reais, aos quais o espetador pode identificar no seu quotidiano. Existe uma constante busca em magoar o outro e uma desistência total na relação. Em outra porta, a segunda família vive numa incessante arrogância, onde a filha sofre por estar inserida no ambiente esgotante, mas que, no fundo, o criou. Já a terceira família retrata a toxicidade na proximidade maternal e o quanto isso pode impactar todas as relações de uma filha, para além da sua vida profissional.

Os diálogos são bastantes coerentes com a falta de noção que o ser humano consegue alcançar, sendo a insanidade de uns o desespero de outros por não conseguirem conceber a mesma. São relações onde já ninguém se suporta, mas é obrigado a conviver por conveniências ou decisões prévias da vida. A ironia do hotel é o seu propósito relaxante, que deixa de existir pelo clima tenso de toda a narrativa.

João Canijo dá grande importância à cor, existindo um grande uso do verde e do vermelho, que criam um ambiente notório. A fotografia é igualmente valorizada, chegando a formar uma imagem de perspectiva em que tudo acontece em simultâneo. Leonor Teles, enquanto diretora de fotografia, concebe uma cinematografia bela e única. A restante produção e atores proporcionam um filme extremamente bem conseguido, com uma qualidade imensa.

O espetador interessa-se ao longo de toda a longa-metragem pelo cunho dramático quase inacreditável, que é, no fundo, credível por ser tão real. No entanto, mesmo com o lado mais assustador que o realismo pode transmitir, é em todos os diálogos sem sentido que se encontra uma certa comédia.  O incrédulo torna-se em algo, de certo modo, com piada, nomeadamente a reação da insanidade e discernimento de cada personagem perante o que os mesmos se atreverem a dizer. Todas as reações aparentam ser o alimento do filme, convertendo-se no gancho que nos faz ficar presos à história.

O filme acaba por ser uma delícia dentro do seu ambiente caótico garças à sua verossimilhança e identificação. As personagens são realmente o que importa ao longo da narrativa, até porque são todas as suas complexidades que fazem uma longa-metragem onde o grande acontecimento são as mesmas