Uma reportagem escrita por Marta Ferreira e Soraia Fúzia.

“Bragasil” ou “Braguil”. São inúmeras as expressões para caracterizar a cidade de Braga e a sua relação com os brasileiros. Os anos passam e o número de imigrantes a fazer da cidade o seu lar só aumenta, estando cada vez mais notório o diferencial da região face às grandes cidades de Portugal. Atualmente, Braga é o concelho português com o maior número de brasileiros residentes. De acordo com os dados de 2021 do Portal de Estatísticas – SEFSTAT, dos 12 mil imigrantes que a cidade acolhe, mais de sete mil são oriundos do Brasil. O grande aumento populacional tem vindo a acentuar nos últimos cinco anos, apontando-se como um dos fatores justificativos a agitação política no país de origem, fazendo com que os brasileiros encontrem noutra morada a segurança e comodidade que faltam no seu território. A autarquia de Braga estima que existem perto de 15 mil imigrantes brasileiros, quase 10% da população total da cidade, que tem em torno de 200 mil habitantes. Carolina, Adriana e Alexandra são três mulheres de faixas etárias distintas e fases da vida opostas. No entanto, têm mais em comum do que imaginam, além da nacionalidade ou do sexo. Tal como milhares de brasileiros, deixaram tudo para trás em busca de um novo recomeço. Em Braga, encontraram a “porta aberta” e, agora, não tencionam sair.

 

Carolina Colonnese, profissional na área da estética, 20 anos.

Carolina Colonnese era ainda uma adolescente quando veio para Braga, com a família, reconstruir uma vida melhor. Hoje, tem o seu próprio negócio de estética, mas teve de ultrapassar muitas dificuldades para concretizar os seus sonhos. “O meu pai tinha sido assaltado no trabalho e tivemos de fugir da falta de segurança”, conta-nos enquanto atende uma cliente. Juntamente com os pais, veio também a irmã de dois anos, ainda ao colo, que segundo Carolina, foi quem se adaptou melhor à vida em Portugal. “Ela fala praticamente português de Portugal.”

A mesma sorte não teve a jovem nos primeiros tempos, onde foram muitas as vezes em que desacreditou no seu futuro. “No início não me adaptei. Não entendia nada do que os professores falavam e as matérias eram muito diferentes”. Com 14 anos envergou pela área das Ciências e Tecnologias, mas perdeu um ano quando viu que era em Línguas e Humanidades onde pertencia. Após o ensino secundário, tentou candidatar-se à licenciatura em Ciências da Comunicação, na Universidade do Minho, mas não conseguiu garantir a colocação. Foi nesse momento que a vida acabou por dar uma volta de 360 graus e encontrou na área da estética a sua paixão. O que parecia impossível tornou-se possível e começou a atender clientes em casa. “A profissão que tenho hoje, não conseguia ter no Brasil. Como seria receber pessoas na minha própria casa? Misericórdia, nunca o faria”. O sucesso levou a empreendedora a abrir o seu próprio espaço, na Avenida da Liberdade, e, atualmente, além de somar centenas de clientes, prioriza também o estudo no seu campo profissional, acumulando certificações.

No entanto, à semelhança de qualquer outra cidade, Braga não é perfeita. Carolina confessa já ter sido vítima de discriminação, tanto em bares como na rua. “Quando algum rapaz me abordava e eu dizia não, perguntavam-me se eu não era brasileira” recorda, evidenciando os estereótipos portugueses em relação à imagem feminina brasileira.

Longe da família e dos amigos, a jovem relata que nunca mais regressou ao Brasil, mas que também não sente falta. “É aqui que me identifico e me sinto segura, o que não acontecia em São Paulo”. Felizmente, tem o carinho dos avós e amigos que, de vez em quando, a vêm visitar. Neste momento, os avós vivem sozinhos no Brasil, mas, em breve, vão partilhar Braga como “lar” com Carolina e a restante família.

Carolina Colonnese

 

Adriana Lopo, estudante universitária, 32 anos.

Contrariamente à maioria dos brasileiros que abandona o seu país, Adriana Lopo teve uma motivação distinta: a concretização de um sonho pessoal antigo em licenciar-se em Jornalismo. A viver uma vida totalmente oposta no Brasil como coordenadora voluntária de uma ONG, no interior de São Paulo, “zerou a vida” depois dos trinta anos para ir atrás do seu propósito. Foi através de uma pesquisa na Internet que a estudante universitária descobriu o curso que tanto ambicionava – Ciências da Comunicação – na Universidade do Minho, e, sem pensar duas vezes, embarcou nesta nova jornada. Apesar de hoje considerar Braga o seu “lar”, admite que, se a cidade que tivesse nos resultados de pesquisa tivesse sido outra, era nela onde estaria hoje a viver.

A realidade do sonho revelou-se maior que as adversidades que poderia encontrar nessa mudança e, apesar da “dificuldade em desvincular-se” do passado, reforça que foi “muito abraçada” neste novo momento. A própria escolha da cidade, atualmente, parece mais do que uma mera coincidência. “Braga me trouxe um recomeço, me acolheu e se tornou o meu lar de diversas formas. O segundo sentimento depois da sensação de lar é gratidão. Eu sou e sempre vou ser extremamente grata a Braga”. Da tranquilidade à qualidade de vida, mas principalmente pela beleza física da cidade e pela unicidade dos seus habitantes, tudo encanta Adriana. “Cada cantinho te oferece alguma coisa, se você tiver disposto a olhar com olhares mais generosos”.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas e admite que o seu maior desafio é conciliar os trabalhos com a universidade. Devido aos valores elevados da propina mensal para estudantes brasileiros na Universidade do Minho – 450€/mês -, a universitária soma dois empregos à sua trajetória académica. “Dantes conseguia conciliar tudo com um trabalho apenas, mas hoje não consigo mais”. Atualmente, durante a semana, é vendedora de tarifas móveis no Braga Parque e, ao fim-de-semana, cozinheira no Club del Mar. “Isso agrava um pouco as coisas, porque não tenho tempo livre nenhum. Acaba prejudicando a universidade, porque eu gostaria de me dedicar mais”. Simultaneamente, o contacto com os seus familiares e amigos brasileiros não é tão frequente quanto gostaria, devido, sobretudo, ao fuso horário. Desta forma, para contrabalançar, tem uma segunda família portuguesa. “Hoje, uma parte da minha família que considero portuguesa é da universidade”.

Adriana Lopo

 

Alexandra Gomide, presidente da UAI (União de Apoio e Integração), 53 anos.

Tudo começou através de um canal do Youtube, chamado Olhar brasileiro em Portugal, cuja função servia apenas para comunicar com a família no Brasil. Hoje, conta com 42 mil subscritores, milhares de atendimentos por ano e um espaço físico, que embora pequeno, estende a mão a milhares de brasileiros. Tudo isto é obra de Alexandra Gomide, que passa a maior parte dos seus dias no centro de Braga. Fundadora da UAI (União de Apoio e Integração), dá voz às preocupações daqueles que vêm de malas e bagagens para fazer de Portugal a sua próxima morada.

Também Braga lhe abriu as portas há sete anos. Em 2016, deixou tudo para trás em busca de maior qualidade de vida e segurança. Quando chegou a Portugal, recomeçou a vida em Faro, mudou-se depois para Cascais e em seguida para Aveiro. Contudo, sentia que o seu destino não passava por ali. “Cheguei a achar que fiz bobagem”, assume. Invadida pelo desespero e pelo vazio, descobriu Braga através de uma pesquisa no Google. De lágrimas nos olhos, relembra o primeiro dia que visitou a cidade. Os cheiros, as cores, os cafés, tudo isso lhe vem à memória. “A primeira vez que cá vim, me apaixonei. Tive logo a certeza de que era aqui que eu queria ficar. Se existem outras vidas, eu vivi em Braga em outras dessas vidas”. Consigo vieram os filhos, que atualmente têm 16 e 19 anos, e também o marido. Nunca mais regressou à terra natal e assegura que, se hoje quisesse voltar, os filhos não trocavam Braga por Belo Horizonte, a sua cidade de origem.

Atualmente, dedica a vida a ajudar todos os brasileiros que chegam desamparados. Recebeu recentemente uma medalha grau prata, pelo reconhecimento do trabalho individual e coletivo que tem vindo a desenvolver na associação. Ao contrário daquilo que acontece em Lisboa, conta que os imigrantes que chegam a Braga são maioritariamente famílias, já com filhos ou planos para os criar. E a regra é clara: “quem vem para Braga não quer mais voltar”. Juntamente com uma equipa de voluntários e especialistas, a UAI, uma associação sem fins lucrativos, oferece ajuda em troca de
sorrisos.

Localizada no coração de Braga, a associação recebeu 1064 atendimentos em sede no ano de 2022. O aconselhamento, totalmente gratuito, abrange diferentes áreas, desde a financeira, jurídica, imobiliária, escolar ou psicológica. Os dados mostram que o centro da cidade é a área mais procurada por aqueles que chegam. São Vítor, São Lázaro e Maximinos são as três freguesias com o maior número de brasileiros a residir. Ao contrário da capital portuguesa, em Braga chegam maioritariamente famílias. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os estados de origem da maioria dos imigrantes.

No entanto, a UAI é também uma porta para a promoção de vários eventos brasileiros na cidade, dando a conhecer a todos a cultura de um povo que se estende para lá de caipirinhas e sertanejo. “O Brasil infelizmente é vendido como samba, carnaval e futebol. E vai muito além disso”. Nesse sentido, trabalham também para resgatar a cultura, fazendo com que as crianças, que vêm com as famílias, não percam o vínculo com o Brasil. O Dia do Brasil e o ArraUAI são as principais atividades, voltadas para a celebração do dia nacional e do São João respetivamente, que reúnem a comunidade luso-brasileira, em torno de costumes e comidas típicas.

Também na associação, há em cada cantinho um pouco de história e tradições. O hall de entrada é inundado por bandeiras, cartazes e notícias, um legado que Alexandra se encarrega de enaltecer. São muitos os donativos que preenchem o pequeno espaço da associação, sobrando apenas uma sala para acolher quem lá vai. “Temos muitas doações, sobretudo roupa. No inverno, todos os dias recebemos pedidos de ajuda de roupas quentes, pois Braga é muito frio”. O clima mediterrânico é austero, mas não constitui um entrave para todos os que “zeram a vida” e procuram em Braga um novo recomeço.

Alexandra Gomide