O tom sério de Ice Cube, a par das suas estruturas rimáticas conservadoras, batidas e baixos, fizeram de The Predator muito mais do que um álbum de sucesso comum. Num disco único, o artista conseguiu canalizar toda a revolta das ruas, resultado de décadas de opressão.

Em 1992, já com dois álbuns notáveis, ​​Amerikkka’s Most Wanted e Death Certificate, O’Shea Jackson, também conhecido como Ice Cube, queria , destacar-se. Daí surgiu “The Predator”, um disco violento, explícito, mas também educacional e meditativo. Depois dos tumultos de Los Angeles, Ice não conseguiu ficar indiferente a uma América caracterizada por ataques racistas e violência policial, colocando nesta obra colocou todas as suas inquietações.

Rolling Stone

Muitos críticos afirmam que este não é o melhor álbum de Ice Cube, mas a verdade é que esteve nos tops mundiais e passou a fazer parte da história do Hip-Hop. Comercialmente é o seu maior sucesso. Ganhou o disco de platina dupla e chegou ao número um na BillBoard 200.

O álbum começa com uma introdução, “The First Day of School”, com uma cena retirada do filme “American Me”. Aqui é retratada a entrada numa prisão o que, em contraste com o nome da faixa, pode ser uma crítica ao ensino demasiado rígido e até à situação do país em geral. Assim, Ice deixa bem claro que o álbum não vai ser leve, com uma entrada forte, crítica, mas ao mesmo tempo criativa.

A música de abertura, “When Will They Shoot”, que faz um uso bastante puro de samples como “We Will Rock You” dos Queen, começa com um comentário aos media e críticos que o consideraram anti semita, devido ao seu anterior álbum, “Death Certificate”. Para iniciar os juízos a uma sociedade que Ice considera racista, toca ainda em nomes como Malcom X e Marthin Luther King.

E é essa a ideia que explora em músicas seguintes, como “We Had to Tear This Mothafucka Up”. Nessa faixa faz-se referência aos distúrbios de Los Angeles de 1992, desencadeados quando oficiais do Departamento de Polícia de Los Angeles, acusados de agressão contra o afroamericano Rodney King, foram absolvidos.  Também “I’m Scared”, um dos interlúdios que compõem o álbum, apresenta comentários reais, relacionados com os tumultos, que deixam qualquer um incomodado. Ainda em “Who Got the Camera?” é dado aos ouvintes atentos um cenário onde um homem negro é submetido à violência policial.

No meio de um álbum carregado de críticas e, por vezes, demasiada energia, como é o caso de “Wicked”, há ainda espaço para uma lufada de ar fresco. “It Was a Good Day” pode-se dizer o hit do álbum, revelando uma mensagem leve. O single fala sobre um dia em particular na vida de Ice Cube em que tudo corre bem (“Just wakin’ up in the morning, gotta thank God”).

Apesar desta ser a mensagem mais positiva do disco, há outras músicas que se destacam pelos instrumentais e samples divertidamente melódicos. A faixa “Now I Gotta Wet ‘Cha” e o single “Check Yo self” são exemplos disso.

Tendo em conta o contexto histórico-social e a fase atravessada pelo hiphop na altura, onde vigoravam as músicas bastante rimadas e com o boombap como estilo de produção musical de destaque, Ice Cube deixou claramente a sua marca. The Predator não deixa, no entanto, de ser um álbum algo pesado. O álbum é um verdadeiro turbilhão de energia e reação: uma produção impossível de se  ouvir de forma ligeira.