Presidente da República acredita que decreto sobre habitação não é “suficientemente credível” e, na promulgação de decreto sobre construção, defende a existência de um Código e Edificação

 

Marcelo Rebelo de Sousa  não aprovou as medidas ainda pendentes do plano Mais Habitação. A decisão do Presidente da República (PR) foi divulgada numa nota publicada no site da Presidência, onde também já foi divulgada a promulgação do decreto sobre contagem do tempo de serviço dos professores. Relativamente à habitação, Marcelo enviou uma carta ao Parlamento a acompanhar o veto em que faz o historial das medidas propostas pelo Governo. Neste, conclui que não são credíveis nem mobilizadoras como resposta “à emergência da crise habitacional” que atinge sobretudo a classe média e os jovens.

O PR, na carta em que justifica o veto, escreveu “Nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”.

Na mesma carta, Marcelo lamenta que a apresentação do Mais Habitação tenha polarizado o debate ao redor de dois temas polémicos: o alojamento local e o arredamento forçado. “Apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República” e “deu uma razão – justa ou injusta – para a perplexidade e compasso de espero de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente”, lamenta. Deixa também fortes críticas ao Governo: “Radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, da insuficiência e timidez na intervenção do Estado.”

Marcelo Rebelo de Sousa defende, em vários momentos da carta, mais investimento do Estado como resposta à crise na habitação. Criticando quase cada uma das medidas propostas pelo Governo, lamenta, e declara “salvo de forma limitada, e com fundos europeus, o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação.” Ainda que reconheça as melhorias do Parlamento, escreve “o apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos, ou prédios privados adquiridos ou contratados para arrendamento acessível, implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU; o  arredondamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável; a igual complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos”.

“O presente diploma, apesar das correções no arredondamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”, acrescenta o PR na carta, ainda lamentando que não tenha havido capacidade para um amplo consenso sobre política de habitação. “Acordo de regime não existe e, sem mudança de percursos, porventura, não existirá até 2026”, acrescenta, numa frase que pode ser interpretada muito além da habitação e na qual, no fundo, estimula a maioria absoluta a mudar de atitude.

Conclui a carta com um desabafo e um desafio: “Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar. Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos.”

Na mesma nota publicada no site da Presidência que dá conta do veto, o PR anuncia uma divulgação relativa a normas para simplificar a construção habitacional. “Tendo presente a emergência da crise habitacional, que afeta, sobretudo, jovens e famílias mais vulneráveis, e começa a afetar a classe média e a necessidade do aumento da oferta de imóveis para habitação, o Presidente da República promulgou o decreto da Assembleia da República autorizando o Governo a simplificar, significativamente, os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território”, refere na justificação presidencial que aproveita para deixar avisos sobre a regulamentação desta lei: “O Presidente da República não deixará de ter presente, na futura apreciação do Decreto-Lei autorizado, a necessidade de compatibilização entre a simplificação urbanística e outros valores a preservar, como é a segurança e qualidade das edificações, a responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território.”

Nas justificações desta promulgação, Marcelo encoraja o Governo a trabalhar no sentido de fazer um “Código da Edificação”.  Este reúne “num único diploma de toda a legislação dispersa (imensa e, em alguns casos, contraditória), eliminando contradições e normas obsoletas e melhorando a acessibilidade da legislação do setor, num passo fundamento para a desejável simplificação urbanística”.