Nomeado como o primeiro romance da sua vasta bibliografia, A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, demonstra-se uma jornada fadada à fuga do ordinário. Atravessando mais de meio século e retratando três gerações diferentes, a obra combina de uma forma suave a realidade do quotidiano com um toque irreal.

Alta Journal

Ao longo da sua obra, a autora chilena dá vida a três gerações de uma família repleta por lutas e segredos, relatando a história de um país latino-americano em revolução.

Apesar de ter especial enfoque nas personagens femininas, que compõem as diferentes gerações, Esteban Trueba ocupa um lugar de especial interesse na trama. Caracterizado como um homem orgulhoso e inflexível, o patriarca da família vive imerso no amor não correspondido da sua esposa, Clara. Esta apresenta-se como figura misteriosa e distraída, capaz de prever tragédias e de comunicar com os espíritos. Blanca, filha de ambos, dada à rebeldia do seu primeiro amor, compõem-se como uma peça fundamental na trama. Por fim, fruto do amor proibido entre Blanca e o filho do capataz, a autora apresenta-nos Alba. Uma personagem ardente e obstinada, revela uma beleza fora do comum e ocupa um papel de destaque na vida do seu avô.

Em termos críticos, A Casa dos Espíritos perfaz-se de riqueza histórica e social. O leitor tem acesso à realidade de um país em plena revolução, num século longínquo. Tal como característico das suas obras, a escritora chilena não poupa nos detalhes, levando o leitor a compreender melhor a trama e as decisões das personagens.

É também de destacar a própria trama e os elementos irreais que a compõem. Envolto na ideia da existência do sobrenatural, a história tem a capacidade de quebrar tabus, oferecendo ao leitor uma visão mais suave e incomum sobre o desconhecido e a conexão entre os dois mundos. Além disso, a jornada dos personagens transforma o comum no incomum, contribuindo para uma visão diferente sobre o próprio quotidiano do leitor. Ainda nesta perspetiva, a escolha de personagens femininas como as figuras centrais das diferentes gerações mostram uma visão bastante distanciada da época retratada, oferecendo uma visão diferente sobre o papel da mulher no século XX.

Por outro lado, é de apontar a escrita que se torna um pouco cansativa. Verifica-se, num determinado ponto da trama, uma lenta e até ausente evolução da história. No entanto, a escrita é muito suave e de fácil leitura, característica das obras da autora chilena.

A Casa dos Espíritos é uma obra emocionante e singular, caracterizada pela união de dois mundos e pela quebra de tabus num século caracterizado pela mudança.