A cultura fortalece laços sociais, transforma sociedades, enriquece as pessoas e cria memórias. Estes são apenas alguns exemplos dos muitos propósitos. A verdade é que também são muitas as queixas que lemos e ouvimos da precariedade no trabalho no setor cultural e da sua falta de valorização.
Dados recolhidos entre 2013 e 2018 pelo Eurostat revelam que o Governo português é o terceiro que menos investe em cultura, apenas à frente de Grécia e Chipre e empatado com a Itália: 0,6% do valor dos sucessivos Orçamentos de Estado. Estes números representam um problema já crónico no nosso país que não têm merecido a discussão séria que se justifica.
Se o apoio do Estado não é suficiente e, muitas vezes, os privados se colocam de fora pelo risco de não-retorno financeiro destes projetos, é preciso encontrar uma outra solução. E é aqui que o papel que as autarquias desempenham se pode revelar tão vital para este setor.
Tal como noutras áreas que o poder local abrange, o papel que se atribui à cultura depende não só do património existente nos concelhos, mas do perfil dos autarcas. Por exemplo, o Município de Braga reuniu esforços, durante quase cinco anos, para fazer da cidade Capital Europeia da Cultura em 2027. Embora este ano Évora tivesse batido a concorrência de outras três cidades portuguesas, sendo Braga uma delas, não há como negar que o empenho dedicado à atribuição deste título aproximou a cidade dos arcebispos do principal compromisso da candidatura: mudar numa década a sua face cultural.
Quem fala na candidatura de Braga a este título, pode falar na dimensão nacional que ganharam os Lenços dos Namorados de Vila Verde ou na exaltação do património gastronómico de Boticas, do fumeiro ao Vinho dos Mortos, ex-líbris deste concelho de Trás-os-Montes, território tantas vezes esquecido. Mas de que modo é que estas iniciativas podem transformar os concelhos?
A meu ver, o investimento na cultura da parte dos organismos de poder local revela-se premente não apenas pelas oportunidades económicas que abre, como pela natureza social e humana que à mesma se encontra associada. Em primeiro lugar, estes projetos, sendo sustentáveis, garantem que o dinheiro a eles atribuído não é a “fundo perdido”. A promoção do património histórico-cultural leva a que pessoas de fora o venham conhecer e, com isso, a estadia no local e a utilização dos serviços traz retorno económico. Isto aplica-se a festivais de verão, a eventos culturais que contem com parcerias com o Município ou às festas locais, dinamizando vilas, cidades ou regiões inteiras.
O associativismo local também sai imensamente valorizado com esta aposta, que é capaz de colocar a população e grupos económicos, sociais e culturais a remar para o mesmo lado, em prol da celebração das tradições locais. Ao enraizar estas memórias, unem-se gerações, enriquece-se a história local e regional. E pequenas povoações podem assim tornar-se verdadeiros polos culturais.
Não podemos ver sempre o copo meio vazio: embora no mundo da política local nem todos reconheçam ainda o papel que à cultura se atribui, a sua dimensão vai-se tornando crescente e urgente. Que se continue a lançar o repto para que a cultura seja exaltada não apenas pelo entretenimento ou pelo turismo, mas porque a cultura nos torna “maiores”: mais ricos em conhecimento e mais ricos como seres humanos, porque a cultura traz-nos mundo.