A crise em Portugal sempre existiu, quer o governo fosse do Partido Socialista ou do Partido Social Democrata. Por vezes apresentou-se como uma crise mais forte, outras vezes mais fraca. O que é certo é que não me lembro de alguma vez, na minha curta história, ter pensado “isto é um bom país!”. Há quem diga que é pessimismo ou falta de patriotismo, eu digo que é justo.
Já perdi a conta aos setores que atiraram o seu descontentamento à cara de António Costa neste seu terceiro mandato. A Habitação, a Saúde, a Educação, a Justiça ou até a Função Pública são ramos com protestos atrás de protestos. Apesar dos gritos e cartazes a percorrer as ruas do país, o Governo parece que apenas se senta e adia. Um terceiro mandato, que soma quase oito anos de governação, soma também quase oito anos de poucas soluções e puro desgosto.
Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro apresentou, entre muitas outras medidas, um “novo modelo” de concursos na carreira dos professores, recusando devolver, na totalidade, o tempo de serviço congelado aos docentes. Demonstrou ainda a sua convicção no regime de dedicação plena na resolução do caos na Saúde. Dois setores vitais a arder lá fora e o senhor primeiro-ministro António Costa sentado, confiante e tranquilo, na cadeira do Town Hall da CNN/TVI.
A educação acumula problemas há anos, com greves e reivindicações a pedir, acima de tudo, a recuperação integral do tempo de serviço perdido em dois períodos entre 2005 e 2017. Um congelamento da carreira que soma seis anos, seis meses e 23 dias, mas António Costa recusa e faz-se de orelhas moucas para aqueles que têm percorrido o país aos berros.
“Sim, eles têm problemas, mas os salários não são maus!”. É essa a opinião de muitos que julgam a greve e a paralisação da educação. Em 2023, o salário bruto dos professores (dos níveis pré-escolar, ensino básico e secundário) varia entre €1.589,01 no primeiro escalão e os €3.473,19 no último. Isso é um bom bolo para aqueles que conseguem chegar ao primeiro patamar. No entanto, segundo um estudo de investigadores da Nova School of Business & Economics, os professores demoram, em média, 16 anos a atingir o primeiro patamar de remuneração. Corresponde ao tempo de governação do nosso primeiro-ministro duplicado. “Comigo não há frustrações”, disse António Costa em entrevista. Pois claro, acredito que não tenha passado 16 anos à espera de um progresso salarial decente.
Desde 2005, o número de docentes desceu de 185 mil para cerca de 150 mil. O setor encontra-se envelhecido e, com as aposentações, os alunos vêm-se sem professores e estagiários preenchem as vagas de horários. A acrescentar à diminuição da qualidade de ensino, os docentes só conseguem ver a progressão na carreira ao longe, com pessoas como Maria Inês Sanches, professora de história que apenas se conseguiu vincular e entrar para os quadros aos 68 anos. E, com tudo isto, a preocupação do governo com a colocação dos professores próximos do local de residência e a sua fixação em escolas específicas só surgiu agora. Se são precisas manifestações de norte a sul e é preciso perder a voz para que a precariedade em Portugal seja ouvida, estamos mal.
A fazer companhia aos docentes encontram-se os médicos. O Hospital de Braga fechou a urgência de Ginecologia e Obstetrícia este fim de semana. As mulheres correm o risco de dar à luz no próprio carro enquanto andam de estabelecimento em estabelecimento como se fosse um jogo de dominó. Ora, culpar os profissionais de saúde por este problema não é a resposta, queridas mães. E é extremamente lamentável que vocês tenham de passar por isto por causa de um governo que não percebe nada de saúde.
Como é que respondemos a esta crise e oferecemos o apoio necessário às grávidas sem médicos disponíveis? Contratar seria uma boa opção, se esta profissão fosse minimamente atrativa. No entanto, não o é, e querer que os médicos trabalhem mais do que as 150 horas extra que lhes são pedidas ao atribuir um aumento médio de 3,6% no salário é quase implorar para que haja crise no setor. Com o regime da dedicação plena, o caos não se resolve! Médicos hospitalares passam a trabalhar ao sábado. Têm de fazer, pelo menos, 250 horas de trabalho extraordinário e nove horas diárias. Com cada médico a trabalhar, em média, 16,2 meses por ano, como é que o primeiro-ministro e o ministro da Saúde ainda confiam que estes profissionais vão trabalhar de pura e simples boa vontade?
Disseram a António Costa que podia haver mortes este inverno dada a falta de médicos. A Eurofound mostrou que 6,6% das famílias pobres portuguesas, com crianças abaixo dos 16 anos, não conseguem satisfazer as suas necessidades médicas. E só agora o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, decide: “espera lá que é preciso negociar com os sindicatos”! Mas não é a fixação do horário nas 35 horas semanais que vai melhorar o setor da Saúde. É a aposta na igualdade salarial, a aposta em condições de trabalho dignas e a aposta no descanso após uma noite de trabalho. É valorizar a profissão, senhor primeiro-ministro António Costa. Não é dizer “o governo não é o governo dos médicos, é o governo dos cidadãos em geral”, como se estes fossem bizarras criaturas ambulantes.
É preciso apostar nestes setores e na sua atratividade. Precisamos que os portugueses pensem “isto é um bom país!” e que os estudantes queiram seguir Medicina, Educação, queiram trabalhar na Função Pública ou noutro ramo qualquer sem implicações. Com um agravamento e acumulação destes problemas, certos cursos vão deixar de ter cadeiras preenchidas e certas profissões vão passar protestar e reivindicar todas as semanas. Queremos que este seja um país para exercer profissões dignas, valorizadas e ouvidas, sem estar constantemente a pedir por mais, que na maioria das vezes é pedir o mínimo.