De entre as mais conhecidas obras cinematográficas que recorrem ao stop-motion, Coraline e a Porta Secreta é, sem dúvida, um dos grandes destaques. Dirigido pelo cineasta Henry Selick, o filme chegou às telas de cinema dos portugueses no ano de 2009. A obra é baseada no livro de Neil Gaiman, lançado em 2002.

Coraline é uma jovem rapariga, inteligente e curiosa, que se acaba de mudar com os pais para uma nova residência, o Palácio Cor-de-Rosa. Carente de atenção e insatisfeita com o rumo da sua nova vida, a personagem decide explorar o novo imóvel, escuro e cinzento. Encontra, na sala de estar, uma misteriosa porta que serve de passagem para uma versão alternativa da sua própria vida.

À primeira vista esta realidade paralela é estranhamente parecida com a sua realidade, mas tudo aparenta ser melhor: a “Outra Mãe” é carinhosa e atenciosa. Prepara refeições agradáveis e atende a todos os seus pedidos. O “Outro Pai” é brincalhão e despreocupado. Desenha maravilhas no jardim, enquanto a leva em jornadas inesquecíveis. Até o rapaz da redondeza que a persegue, sempre tão tagarela, é silencioso e participativo deste lado.

Contudo, todas as circunstâncias que rodeiam a protagonista não são tão simples quanto aparentavam numa primeira instância. Aos poucos, este novo mundo vai adquirindo um tom cada vez mais sombrio e tétrico, tornando-se numa ilusão. Coraline descobre que voltar para o mundo real fica mais difícil a cada visita, até que termina presa naquela outra vida.

Na primeira camada da obra, assim que a personagem explora esta nova dimensão, conseguimos facilmente perceber que o perfeito não existe e que funciona somente como uma armadilha para atrair Coraline. Os vizinhos insistem em chamá-la de Caroline, a forma comum do nome, o alegado perfeito. Este erro proposital sugere ao espectador que, para além da perfeição ser uma completa farsa, nem tudo segue a sua conformidade.

Os famosos olhos de botões são o derradeiro culminar da trama, antecedendo o perigo, e a própria aventura da protagonista. São os olhos o principal canal de emoções e sentimentos, e a interpretação do meio e das pessoas que nos rodeiam é impossibilitada com esta ausência. A expressão “Os olhos são o espelho da alma” caracteriza a linha condutora de toda a história, enquanto o pânico emerge na psique do espectador.

É bastante comum entre vítimas de abuso o relato de que o abusador lhes roubou a alma, a inocência, e uma parte de quem eram. A “Outra Mãe” é uma personificação desta descrição – uma abusadora, predadora de crianças, que as atrai com um mundo ideal e sublime para violentá-las – e essa mutilação é figurativa na forma dos olhos.

A trilha sonora é uma parte fundamental da experiência cinematográfica. O som foi obra de Bruno Coulais, um compositor francês conhecido essencialmente pelas suas composições sonoras emocionantes e atmosféricas. A música desempenha, assim, um importante papel na criação do ambiente mágico, misterioso, e por vezes sombrio do filme.

Coraline e a Porta Secreta é uma longa-metragem densa e profunda, com imensuráveis detalhes e camadas pensadas a dedo pelo realizador e, ao contrário do que parece, destinada aos mais velhos. Selick foi capaz de transformar uma história infantil macabra numa obra-prima, digna de especial atenção e maturidade para a sua interpretação.