Como todos infelizmente temos conhecimento, a vitória do Campeonato do Mundo de 2023 da seleção espanhola passou ao lado devido a uma polémica. O “famoso” beijo na boca não consentido do antigo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) a Jeni Hermoso deitou por terra o trabalho de gerações que lutaram para alcançar este feito.

Desde muito cedo que o desporto é um meio revolucionário por parte da sociedade que a faz chegar a objetivos não só desportivos, como também pessoais. Temos o exemplo da luta feminina para ter acesso a todo o tipo de atividade desportiva.

Infelizmente, esta ainda é uma guerra a precisar de guerreiros. Claro que a evolução já é bastante notória, cada vez mais os países têm ligas femininas nas mais variadas modalidades. Contudo, ainda vemos países onde essa não é uma liberdade adquirida. O Afeganistão é um exemplo bem claro: se nem o acesso da mulher ao ensino é permitido, como seria possível ter direito a fazer desporto?

No caso polémico mais recente, a luta já vinha de trás, onde 15 jogadoras já haviam tentado derrubar o selecionador nacional Jorge Vidal. Em momentos de celebração, as jogadoras optavam mesmo por festejar entre si, deixando o técnico de fora. Contudo, Luis Rubiales decidia manter o treinador como rosto da seleção.

Isto não era já suficiente para fazer notar uma posição bastante altiva pelo presidente, como em plenas celebrações da conquista, Rubiales decide beijar sem consentimento Jeni Hermoso. Será que se esqueceu que estavam milhares de pessoas a ver? Será que pensou como se ia sentir a jogadora em questão com aquela situação?

A resposta é clara: NÃO! Trata-se de uma pessoa que pensa ter o poder todo do seu lado e que pode fazer o que lhe apetece sem consequências, incluindo beijar quem quer só porque lhe apetece. Tanto é que nas suas próprias palavras desvalorizou dizendo que era “um beijo de dois amigos comemorando alguma coisa”.

A internacional espanhola, num vídeo onde era evidente o momento efusivo referiu entre risos que não gostou. Mesmo sem muitos pensamentos sobre o assunto já tinha uma ideia bem clara de que não tinha consentido aquele beijo e que não se tinha sentido confortável com a situação.

O pedido de demissão foi imediato. O Governo e as jogadoras queriam a saída imediata e a RFEF viu-se obrigada a convocar uma Assembleia Geral Extraordinária. Esta não serviu para mais nada a não ser para o presidente fazer todo um espetáculo a invocar a razão para o seu lado e a referir que não se demitia. Mas, para surpresa de muitos, ou não, o que se viu foi uma avalanche de apoio ao presidente e não à jogadora, com vários aplausos de pé a todo o teatro criado pelo ex-presidente.

Entretanto tudo caiu por terra com a FIFA a intervir – e bem – com uma suspensão para o responsável da polémica. Posteriormente a esta decisão, 11 treinadores e técnicos da comissão do selecionador da equipa feminina de futebol demitiram-se em apoio a Jeni Hermoso.

Condenaram a atitude do membro máximo da sua federação e acusaram mesmo de signatários da RFEF os forçarem a comparecer na assembleia que não passava de um espetáculo. Tudo foi pensado de tal forma que até colocaram a primeira fila só com mulheres para dar a impressão de que estas apoiavam Rubiales.

Toda esta situação cada vez mais infeliz gerava medo nas atletas em relação a acontecimentos futuros. Se a insatisfação com a sua presidência já era evidente antes, agora já não tinha mãos a medir. As jogadoras acabaram por se juntar e emitir um comunicado conjunto a expressar o apoio a Jeni Hermoso. Para além disso, recusaram serem chamadas para representar o seu querido país enquanto aquela presidência estivesse no ativo.

Nem um comunicado coletivo a RFEF conseguiu respeitar. Em setembro, foi a convocatória para disputar a Liga das Nações. E novamente para surpresa de muitos, 15 campeãs do mundo que renunciaram a convocatória tinham o seu nome inscrito para a concentração em Valência. Fora destes nomes estava Jeni Hermoso que, segundo a nova selecionadora, “não estava na lista para sua proteção”. Agora, tal como a atleta eu pergunto, proteção de quê? Proteção de quem?

Rubiales já se havia demitido, mas a luta continuava e não foi com isso que a decisão das atletas mudou. Então porque é que as chamaram contra a sua vontade? Vale tudo para manter o bom nome da seleção? E as atletas, quem pensa nelas? Mas agora as pessoas têm que ser forçadas a representar o seu país?

Forçar jogadoras a fazerem uma coisa a que disseram não já se pode somar a mais uma oportunidade para se fazerem valer do poder. Penso que a liberdade ainda impera no nosso país irmão, ou será que eu é que estou numa realidade paralela?

De diferentes lutas se faz o desporto

Apesar de momentos tristes e de lutas por motivos infelizes no desporto, ainda são muitas as guerras que o desporto ajuda ou tem o papel de ajudar na sociedade. O racismo é outra das lutas constantes do desporto. Todos os anos, infelizmente, alguém é alvo deste flagelo no mundo desportivo. Ou porque é “preto” e por isso não faz nada, ou porque por ser “preto” corre mais que os outros e isso não é justo.

Contudo, os atletas e mesmo o desporto em si tem juntado todas as forças para ganhar esta luta. Temos o exemplo de campanhas antirracistas feitas federações desportivas em vários países. Portugal é um país onde muito se luta contra esta discriminação.

Muitos podem pensar, mas como é que o desporto pode ser palco destas “lutas sociais”? Uma resposta simples para isto é um protesto contra os combustíveis fósseis que ocorreu num dos palcos mais mediático a nível desportivo: o Arthur Ashe Stadium, campo principal do torneio de ténis do US Open. Enquanto assistia na televisão à partida das meias finais do quadro feminino entre a norte-americana Coco Gauff e a checa Karolina Muchova, nada me passava pela cabeça que aquele jogo ia ser palco de uma luta social. Do nada, o jogo era interrompido pelos protestos de três ativistas.

A batalha pela diminuição do consumo de combustíveis fósseis teve palco ali, naquele momento e foi ouvida em todo o mundo. O momento foi escolhido ao pormenor e a forma de agir também. Dos três, um colou os pés ao chão com cola e outra prendeu-se com algemas aos bancos. Tudo isto fez parar um dos maiores eventos desportivos, para que a situação ambiental fosse falada e acima de tudo refletida.

A partir de então percebi que quando se olha para o desporto como apenas “uns rapazes a correr atrás de uma bola”, ou como “uma coisa que gera milhões”, a nossa mente não passa de um círculo muito pequenino e fechado. O desporto é palco de muitas lutas e fico feliz que assim o seja.