Há muito falamos da Taça de Portugal como a competição mais democrática do futebol nacional, abrindo portas para muitas equipas de divisões inferiores que nunca haviam colocado nos seus planos receber um plantel profissional. No entanto, os espíritos de companheirismo, de amizade, de fair-play e de oportunidade, tão bem manifestados no desporto, são, por vezes, ofuscados pelas diferenças de poderio financeiro dos diferentes emblemas em prova. Ora, mesmo nestas alturas, estas diferenças vêm ao de cima.
Analisando a supremacia dos ‘três grandes’ do futebol português do ponto de vista das equipas não-profissionais, a sorte de um encontro com estes tubarões nacionais nesta competição é vista com bons olhos. Na presente temporada, vários clubes partilharam reações ao resultado dos sorteios da terceira eliminatória da prova rainha, com grande euforia e ânimo de muitos jogadores que se deparavam, pela primeira vez, com a oportunidade de se apresentarem num palco nacional. Contudo, aquilo que, à primeira vista, podia parecer um jackpot ou uma fonte de oxigénio, pode acabar por se tornar num entrave ao desenvolvimento destes clubes.
A festa da Taça é, e sempre foi, pautada pela promoção do futebol espalhado pelo território nacional. Atribuir um meio de visibilidade a emblemas de menores dimensões, dando-lhes a oportunidade de receberem nas suas casas adversários de um escalão superior, aparenta ser uma forma eficiente de catapultar estes clubes para um outro patamar no panorama desportivo nacional. Contudo, aquilo que se verifica frequentemente é a realização do encontro num campo neutro, por faltas de condições dos estádios. Seja pelo estado do relvado, das limitações para a transmissão televisiva do acontecimento, entre outros motivos, a verdade é que este tipo de decisões impede muitos adeptos de assistirem aos atletas representantes da sua região defrontar um adversário muito pouco habitual.
Vejamos, também, um caso que marcou a ronda jogada neste mês, relativo à recusa do Sporting CP em dividir as receitas da bilheteira da partida com o CD Olivais e Moscavide. Num comunicado, Gonçalo Candeias, presidente da formação a jogar numa casa emprestada, contestou a escolha dos leões, referindo que, mesmo não se tratando do negar de “uma bomba de oxigénio” para a turma da AF Lisboa, como é habitual nestas situações, esta cortou uma receita útil para o alívio das despesas da realização do jogo. Uma decisão justificada pelo atual líder da Liga Portugal Betclic como algo que “eticamente não faz sentido”, foi apontada por Gonçalo Candeias como uma oportunidade “para marcar uma posição que só ao adversário diz respeito”.
De certa forma, o povo lusitano está conformado com toda a desigualdade que se vive no nosso território. Na verdade, vejo o adepto de futebol como aquele que, de todas os campos sociais, mais apto está para apontar, em simultâneo, críticas e elogios, sem nunca equacionar deixar de ser um acompanhante assíduo deste desporto. Portanto, mesmo sabendo que esta é uma realidade que atinge todo o mundo do futebol, cujo adepto se resignou a esta desigualdade, não deixa de ser um aspeto condenável, principalmente quando se torna algo natural aos nossos olhos.
Apesar de tudo, nove equipas causaram surpresas, eliminando formações de divisões superiores, entre as quais quatro do escalão principal. Mesmo que, em alguns destes casos, a celebração não tenha sido feita com os adeptos nas bancadas dos estádios habituais, esta edição voltou a comprovar que o tubarão pode ser engolido pelo pequeno peixe, e é disso que a festa da Taça é feita.
Assim sendo, vejo este cenário como uma luta sem fim à vista, num país cujo futebol se posiciona em redor de três emblemas, com um longo caminho de, pelo menos, aproximação à igualdade pela frente. Para tal, por esta altura, a abordagem deve ser feita com um olhar de equidade, de forma a atingirmos um patamar de excelência, no qual a festa da Taça é pura e simplesmente pintada com a alegria e emoção que une todos os adeptos desta modalidade.