A cada três anos, os Writers Guild of America (WGA) – entidade que representa os guionistas – e a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP) – que representa os principais estúdios e plataformas de ‘streaming’ – discutem as necessidades laborais de Hollywood. Porém, as negociações deste ano deram para o torto. Os desejos da WGA não se concretizaram, e isso fez com que milhares de roteiristas abandonassem a escrita durante 148 dias.

Muitas produções foram interrompidas. Umas pela impossibilidade de continuar sem um escritor no “set” para aprimorar o diálogo; outras pelo trabalho deixado pela metade. Sem luz verde para novas temporadas e alterações naquelas em andamento, as manifestações vieram mostrar o quão importante o trabalho de um guionista é.

Geralmente, distinguimos uma “boa” de uma “má” obra pelo seu conteúdo. Mesmo elogiando o diretor pela ideia e os atores pela entrega nas atuações, os comportamentos das personagens e o desenvolvimento da história, criam (ou não) um enredo impactante.

É com as personagens e as suas falas e comportamentos que refletimos e/ou nos identificámos. Ao viverem situações similares às nossas, as produções ganham a “magia” e o sentimento de pertença que tanto se fala na indústria. Contudo, a visibilidade dada àqueles por detrás das falas é escassa. E isto aplica-se quer ao público, quer às grandes empresas de entretenimento.

Segundo o The New York Times, gigantes como a Netflix e a HBO “corroem o mercado” através de séries com menos episódios e temporadas. É a forma de movimentarem a plataforma e evitarem más surpresas. Pelo menos, no que toca à dimensão do catálogo.

A urgência pelo dinheiro faz com que as companhias procurem caminhos de terra para gastarem o menos possível. Aproveitando a falta de planeamento a longo prazo nas reuniões entre WAG e AMPTP, as companhias põem em risco a mina de ouro que são os guionistas, ao oferecerem contratos instáveis e direitos limitados.

Um desses casos trata-se das estruturas das compensações (ou residuals): pagamentos compensatórios sobre as obras que ganham espaço fora da televisão a cabo. Segundo a WAG, as companhias de streaming têm reduzido o valor dos residuals.  Os direitos daqueles que fizeram a obra “interessante o suficiente” para ser colocada na “estante de ouro” do streaming são postos em causa. Todas as horas voltadas á construção de uma boa história são atiradas contra a parede.

Existe ainda o receio da Inteligência Artificial (AI). Com o avanço da tecnologia, os guionistas precisam da garantia de que não serão substituídos por um computador. Porém, a ambição de empresas como a Netflix em querer mais com menos não oferece tão facilmente essa possibilidade.

O maior inimigo dos guionistas são as empresas que os contratam. Sem o reconhecimento do esforço destes trabalhadores, as produções não avançam – e isso parece algo que as companhias ainda não perceberam. Sem novas séries e filmes, o catálogo diminui e os fãs desaparecem. Surgem perdas monetárias significativas para os gigantes do entretenimento. Esse movimento já se começa a verificar com o fim da greve, devido ao atraso criado nas produções, mas parece que esse facto ainda não é um alerta vermelho para os “todo poderosos”.

Caso a utilização da AI seja algo que ocorra no futuro, existe o risco da degradação da qualidade das obras de cinema e televisão. Mesmo que um robô saiba todas as informações da Humanidade, a sociedade permanece em constante mudança. A tecnologia não consegue captar os sentimentos humanos. Os filmes e séries ganhariam, assim, um conteúdo superficial e inidentificável.

O futuro de Hollywood ainda se encontra incerto. A greve dos atores continua, e os CEOs da indústria ainda descartam as ofertas amigáveis da WAG para terem o mínimo. O lado positivo desta luta é o reconhecimento dos argumentistas pelo grande público. Conseguiu-se mostrar como estes trabalhadores são mal pagos e desvalorizados pela indústria do entretenimento. Mas, acima de tudo, como o argumento é tão menosprezado, mesmo sendo a alma das produções.