Em janeiro deste ano, estreou no Festival de Cinema de Sundance, a primeira longa-metragem da realizadora Celine Song, Past Lives. Desde então, a maestria de Celine vai encantando e destroçando os corações de quem tem o privilégio de poder imergir-se na história cinemática mais romântica do ano.
Dois pré-adolescentes sul-coreanos, Nora e Hae-Sung, criam uma forte ligação amigável enquanto colegas de escola. Subsequentemente, são forçados à separação dado que a família de Nora decide emigrar para o Canadá. Sendo assim, a despedida entre ela e Hae-Sung acaba por ser inesperadamente amarga e faz o par perder contacto durante 12 anos.
“Se nunca tivesses deixado Seul, será que teria ido à tua procura na mesma?”
O seu reencontro em idade adulta é impulsionado por Hae-Sung, pois nunca havia esquecido o laço que criou com Nora e do corte abrupto que não lhes permitiu um desfecho apropriado. Ele encontrou-a no Facebook e, pouco tempo depois, começaram a falar por videochamadas. Após várias semanas, Nora fica preocupada pela intensidade dos seus sentimentos por Hae-Sung, já que não queria ficar dependente de uma relação que nunca poderia existir fora do seu computador. Devido a isto, Nora pede para deixarem de se falar, porém apenas por um tempo, mas, mais uma vez, o par perde contacto durante outros 12 anos.
Entretanto, Nora conhece Arthur – um escritor, assim como ela – apaixona-se por ele e os dois casam. No outro lado do mundo, Hae-Sung continua os seus estudos e conhece uma rapariga com quem acaba por se relacionar romanticamente. O próximo reencontro acontece em Nova York, cidade onde Nora vive, após a relação de Hae-Sung ter terminado. Depois de 24 anos, o par finalmente volta a encontrar-se pessoalmente, mas as implicâncias deste reencontro tornam o que era suposto ser uma passagem simpática, num confronto reflexivo de mágoas que pensavam ter ultrapassado.
“Sonhas numa língua que eu não compreendo.”
É fácil olhar para Past Lives apenas como um romance sobre duas almas que foram injustiçadas pelo destino, mas a narrativa estuda um fenómeno muito mais complexo do que isso. Nora e Hae-Sung são dois sul-coreanos com aspirações completamente diferentes. Enquanto que, Nora sonha e vai atrás do reconhecimento internacional do seu trabalho, Hae-Sung sente-se satisfeito no seu país e vive uma vida orgulhosamente coreana. Esta dissonância é o que move, mais do que qualquer outra coisa, o fascínio de um pelo outro.
A personagem principal vê em Hae-Sung a vida que ela teria caso tivesse permanecido na Coreia. O seu contacto com ele fá-la reconectar com uma parte da sua identidade que, com o passar dos anos, lhe é cada vez mais estrangeira. No entanto, Hae-Sung sente que desde a partida de Nora, estagnou emocionalmente e a sua habilidade de relacionar-se com outras mulheres ficou comprometida. Desta forma, o filme é capaz de criar não só uma comovente história de amor. Como também, proficientemente, explora as nuances do que consta uma relação funcional na realidade adulta e do que é ser um imigrante desconectado da sua nação materna.
“Existe uma palavra em coreano. In-Yun. Significa ‘providência’. Ou… ‘destino.'”
A discussão destes temas e a escolha arbitrária de não tornar esta história num conto idealista, torna as personagens não só mais intrigantes, mas também, mais verdadeiras. Porém, não me refiro só a Nora e Hae-Sung. O marido da protagonista, Arthur, traz também uma dinâmica devastadora e admirável a esta história. Uma personagem que consegue ter uma visão periférica da relação entre Nora e Hae-Sung, acompanhando-nos na frustrante ignorância dos sentimentos partilhados pela sua esposa e o amigo do passado dela.
Sucintamente, a estreia de Celine Song foi um dos filmes mais memoráveis do ano. Past Lives é incapaz de deixar o espectador indiferente à excecionalidade do seu storytelling, é uma história avassaladora, que foi construída com precisão e sentimento. Recomendo a qualquer amante de cinema que a visualize e se deleite com a vida tão fascinante de Nora, Hae-Sung e Arthur.
Realização: Celina Song
Argumento: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro
EUA / Coreia do Sul
2023