A música acompanha o dia a dia de milhares de pessoas: as letras entranham-se na mente, o ritmo penetra a pele e há sempre um verso, um refrão que é proferido vezes sem conta. São essas músicas que permanecem suspensas e intocáveis na mente e que, de forma persistente, atacam cada boca para se fazerem ouvir. Eis que surgem diversas questões. O que está por detrás deste vício latente? Serão os ritmos e as harmonias? Ou a beleza da música, na sua forma mais pura, reside na letra, nos versos?

A verdade é que, por vezes, bastam meros segundos para que haja realmente um interesse acentuado pelo que se faz ouvir. Os instrumentos harmonizam-se a si mesmos, o ritmo flui, os silêncios são bem colocados: tudo é já uma nova experiência sensível, capaz até, de fazer arrepiar. Mas e depois? Sente-se a falta de algo que eleve cada sentimento ao máximo, que o intensifique. Algo que permita a cada ouvinte identificar-se e colocar-se no lugar do artista, algo mais denso.

A letra parece executar com especial destreza essa difícil tarefa, não fossem as palavras detentoras de tamanho poder. Da mesma forma, o escritor americano Nathaniel Hawthorne, referindo-se às palavras, rematou “tão inocentes e impotentes como são, como se estivessem num dicionário, quão potentes para o bem e para o mal elas se tornam nas mãos de alguém que sabe como combiná-las”.

E ai se não sabem! Os músicos e compositores sabem bem como manipulá-las e usá-las e, assim, é entre uns “dós” e uns “lás” que contam uma história, que fazem derramar lágrimas ou até soltar gargalhadas. No fundo, os versos tornam as partituras empáticas, no sentido em que é através destes que o ouvinte se relaciona com os artistas, que lhes toma as próprias dores e acrescenta as dele. 

O Fado, por exemplo, é um bom exemplo disso mesmo. Este canta a saudade e a tristeza, canta Portugal todo numa melodia adornada com bonitos versos. Neste caso, são as palavras que carregam o saudosismo extremo, assistindo-se à transformação de um poema em música. 

Citando Amália Rodrigues em “Gaivota”: “Meu amor na tua mão/ Nessa mão onde cabia/ Perfeito o meu coração”. Neste caso, a melodia que se faz ouvir e até o som da guitarra portuguesa podem ser indicadores da tristeza e da saudade latentes na música, mas é a letra que fornece os detalhes importantes para o intensificar de emoções do ouvinte. Este apercebendo-se que se trata de um amor tão perfeito, tão próximo, mas que se julga incapaz, sente mais toda a canção. Adicionalmente, depois da interpretação do poema, a utilização de determinado instrumento e acorde pode até ganhar mais força.

Assim, por detrás de um grande cantor há sempre um grande compositor/escritor, até porque a música anda de mãos dadas com a literatura, o que a enriquece por si só. Prova disso foi o facto de Bob Dylan ser o vencedor do Prémio Nobel de Literatura em 2016. Será somente necessário prestar atenção às letras dos mais variados temas de sua autoria, como “Blowin’ in the Wind”, para se perceber essa inusitada atribuição.

Paralelamente, a letra é também responsável pela fácil memorização. Por este fator é que diversas músicas ficaram eternizadas, como foi o caso de “Bohemian Rhapsody” dos Queen, visto que o verso carismático “Mama oh oh oh / I don’t wanna die/ Sometimes I wish I’d never been born at all” não escapa a ninguém – é aqui que se nota os efeitos de um verso bem escrito e poderoso.

A letra tem uma grande influência na avaliação de uma música, pois permite a conexão emocional artista-ouvinte. Ao mesmo tempo, conta uma história onde os sentimentos, pelas palavras, são mais percetíveis. A música não existe sem melodia, sem instrumentos, sem os ritmos – essa será sempre a premissa. Por outro lado, a letra é o ingrediente que falta, a cereja no topo do bolo, o intensificador de toda a experiência que é escutar e interpretar música.