No passado mês de janeiro, 21 Savage lançou o seu novo álbum, american dream. Composto por 15 músicas que perfazem um total de 50 minutos, o disco conta com participações especiais de Travis Scott, Metro Boomin, Brent Faiyaz e Doja Cat.

Para a estrela do rap de Atlanta, a expressão “American Dream” – título do seu tão aguardado terceiro álbum a solo – tem um subtexto adicional. O nome apresenta uma dualidade, destacando não apenas a busca pelo sucesso, mas também à sua amplamente divulgada detenção em 2020, revelando que o rapper, na verdade, nasceu no Reino Unido e emigrou para os Estados Unidos na infância.

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Esta característica é ainda mais evidente ao longo do álbum com a participação narrativa da mãe do artista. A narração começa e termina as faixas de introdução e encerramento do álbum, com palavras inspiradoras sobre os sonhos da progenitora para o sucesso e felicidade do filho. Apesar dessas adições, o álbum carece de uma linha temática coesa que conecte o conteúdo de volta à promessa sugerida pelo título e pelas imagens.

Na música “american dream”, que inicia e dá o nome ao álbum, a mãe do artista faz uma dedicatória que alude aos sacrifícios que fez para ajudar 21 Savage a alcançar os seus sonhos (‘For my son to become a man and live free in his American dream’). Assim, 21 Savage não esconde o peso emocional, usando-o como uma ferramenta para revelar a complexidade do seu percurso. O álbum mantém um ritmo energético, evidenciado especialmente numa das faixas mais destacadas, “redrum”.

De facto, esta música rapidamente ganhou notoriedade, cativando os fãs e atraindo novos admiradores devido à sua excelente produção e batida ritmada. A música surpreende com a utilização de uma amostra de “Serenata do Adeus” de António Carlos Jobim, acrescentando profundidade à faixa. O título, uma astuta inversão da palavra “murder” (assassino), presta homenagem ao clássico de horror de 1980, The Shining.

Esta referência transcende a mera homenagem à cultura popular, funcionando como uma representação simbólica do tom sombrio e intenso da música. As letras, ricas em imagens e metáforas, exploram as realidades da vida nas ruas: (‘G Block, all we know is redrum’). O desfecho intensifica ainda mais essa atmosfera, ao utilizar uma amostra sonora de uma cena icónica de The Shining, entrelaçando elementos cinematográficos na tapeçaria musical.

Juntamente com “redrum”, o track “née-nah” serve como justificação perfeita do sucesso de 21 Savage. Ambas são acompanhadas por uma ótima produção. “née-Nah” é talvez a melhor música do álbum devido à ótima participação de Travis Scott.  Travis aproveita as rimas de uma forma cativante. Oferece uma visão rara das suas habilidades líricas energéticas em vez das suas passagens vocais habituais, frequentemente intensificadas pelo autotune.

Da mesma maneira, Metro Boomin contribui para uma produção coesa e única não apenas nesta, mas em várias faixas do álbum. É evidenciado a colaboração entre os dois artistas como uma das mais sólidas no cenário musical. “n.h.i.e.”, sigla para “Never Have I Ever”, marca a primeira colaboração entre Doja Cat e 21 Savage. Na faixa, Doja Cat impressiona com a sua mistura característica de melodia e humor, aproveitando a palavra “ad-lib” como um verdadeiro ad-lib.

No cerne do álbum deparamo-nos com duas faixas notáveis que entrelaçam as complexidades da vida na narrativa sincera do rapper. Tanto em “all of me” como em “letter to my brudda”, o artista revela camadas profundas de sua experiência, explorando as adversidades da vida, a vulnerabilidade e as consequências das suas escolhas.

Nestas músicas, 21 Savage vai além de simples registos sonoros, oferecendo retratos intensos da sua tumultuada jornada. É partilhado uma visão sincera e tocante da sua vida nas ruas, marcada por violência de gangues e crimes, culminando num tiroteio no seu 21º aniversário, resultando na trágica perda do seu melhor amigo. Com versos emocionalmente carregados, o artista explora as complexidades da lealdade e reflete sobre escolhas passadas. Transmite-se uma mensagem poderosa sobre as dificuldades de um quotidiano conturbado e na jornada de superação.

A track “dangerous” é mais um exemplo impactante. 21 Savage e Lil Durk retratam de forma vívida a crua realidade das suas vidas nas ruas, sublinhando os desafios e riscos enfrentados diariamente. Outra memorável música no álbum é “pop ur sh*t”, com a participação de Young Thug e Metro Boomin. Esta faixa de alta energia infundida com trap destaca a entrega característica do artista. Com batidas pulsantes e uma produção arrojada, a música cria uma atmosfera intensa que complementa o estilo confiante e implacável de 21 Savage.

Apesar de exibir uma aparência austera e uma preferência por imagens vívidas de violência, 21 sempre se destacou em canções românticas. O seu humor irónico e a franqueza persistem em tracks como “prove it”, onde Summer Walker apresenta uma performance vocal celestial. Outras faixas que exploram o tema do amor incluem “should´ve wore a bonnet”, com a participação de Brent Frayas e “just like me”, que conta com a colaboração de Burna Boy. As parcerias originaram ritmos envolventes que realçam as singularidades dos artistas envolvidos.

Ao acompanhar uma batida de trap com orquestra pelo produtor Honorable C.N.O.T.E, 21 Savage reflete sobre o seu sucesso como rapper em “red sky”. Aborda os críticos e outros rappers, destacando que a maioria deles nunca poderá atingir o seu sucesso e estatuto profissional. Com esta atitude autoconfiante e ligeiramente provocadora, o rapper mostra que, apesar de ter lançado o seu último álbum a solo em 2018, permanece um contribuinte relevante para a indústria musical.

Apesar disto, ao longo do álbum deparamo-nos com algumas faixas como “sneaky” e “see the Real”, que acabam por se tornar monótonas devido à repetição do instrumental e da batida, não se destacando das demais.

O final do álbum é marcado por “dark days”. Nesta última faixa, surge uma declaração sensível que revela a persona violenta que o artista criou, numa avaliação honesta sustentada pela confiança no que se tornou e nos seus desejos. Representa o cerne da liberdade que a sua mãe procurou desde o início.

As habilidades de rap mais fortes de 21 Savage, o seu sentido cáustico de humor e entrega serena mantêm-se completamente preservadas em american Dream. Neste trabalho, o artista realiza o sonho americano de maneira excecional, ultrapassando as expectativas comuns para a carreira de um rapper moderno nos agitados cenários da cultura pop contemporânea.

É, contudo, um pouco decepcionante a fraca exploração da batalha de imigração pelo rapper e o impacto subsequente que o título sugere. No entanto, o álbum revela um retrato do artista no auge do seu domínio lírico, acompanhado por batidas consistentemente marcantes e cativantes, apesar de por vezes repetitivas. american Dream pode não conquistar o título de álbum definitivo de 21, mas evidencia que está longe de ficar sem material. Desvendou algumas camadas, mas o rapper ainda tem muito mais por explorar.